Quase lá: Outubro ou nada

 A missão neste mês de outubro é eleger Lula Presidente da República, mas para que isso ocorra, com alteração da correlação de forças que marcou o primeiro turno, é necessário que a campanha ganhe as ruas
 

Foto de Ricardo Stuckert

 

Por Carmen Silva*

Lula foi vitorioso no primeiro turno. Teve quase 6 milhões de votos à frente do outro candidato aquele que está no governo, tem a máquina e que quebrou o Estado brasileiro. Por que, então, predominou um sentimento de derrota na esquerda? As pesquisas de intenção de voto e a onda de posicionamentos de personalidades públicas a favor da candidatura Lula na última semana gerou uma expectativa alta de vitória no primeiro turno, muito embora nada pudesse garantir isso. E, ao não acontecer, o impacto foi sentido. Certamente, nesta semana, os ânimos serão revigorados e outubro verá a retomada das ruas pelo vermelho da esperança.

A ideia era que o voto útil migrasse das candidaturas da chamada terceira via para a candidatura Lula, entretanto, parte dele migrou para a candidatura Bolsonaro, aumentando o seu percentual de apoio nas eleições. Além disso, a campanha Bolsonaro gerou um mundo paralelo de desinformação e intimidação daqueles que discordam de sua linha. A campanha Lula não conseguiu gerar uma onda de movimentação nas ruas que quebrasse os sentimentos de medo causados pelo outro lado. No dia 2 de outubro muita gente não saiu de vermelho e não colocou adesivos no peito. Muitos ficaram em dúvida se deveriam comemorar caso Lula fosse eleito naquele dia. Tudo isso se deve ao clima de terror que o neofascismo conseguiu implantar no país.

Apesar disso, passados dois dias do resultado eleitoral, vê-se que a leitura dos números demonstrou claramente não apenas a eleição de Lula em primeiro lugar, mas possibilidades fortes de vitória no segundo turno, dia 30 de outubro. No âmbito parlamentar, e para os governos estaduais, ganhou a esquerda e também a extrema direita. Tudo indica que, notadamente, o centro político perdeu. A próxima legislatura será bastante polarizada. Por um lado, a extrema direita com vários ex-ministros do governo Bolsonaro no Senado e muitos deputados eleitos pelo PL na Câmara Federal, por outro lado a esquerda ampliada, como frente democrática, conta com vitória tanto numérica quanto qualitativa. Os partidos da campanha de Lula no primeiro turno, se somados aos que virão no segundo, reúnem o quantitativo necessário para garantir a chamada governabilidade. Do ponto de vista qualitativo destaca-se a renovação, a entrada de parlamentares indígenas, do MST e do movimento negro. Cabe registar que a principal liderança do MTST obteve mais de um milhão de votos em SP para a Câmera Federal.

Um elemento importante dessa polarização que marcou o primeiro turno é que o clã bolsonarista teve que aceitar os resultados eleitorais, ou seja, apesar de todo receio do campo de esquerda, não houve golpe, nem questionamentos às urnas, nem uma onda maior de violência política no dia das eleições, nada disso aconteceu. Isso gera melhores condições para que, com a vitória de Lula no segundo turno, Bolsonaro esteja politicamente impedido de questionar os resultados eleitorais. Obviamente, caso Bolsonaro viesse a ser eleito no segundo turno, ele teria maiores condições e possibilidade de mudar o regime político. Daí entraríamos numa era obscurantista e autoritária, mas isso não vai ocorrer. Lula vai ganhar as eleições no segundo turno, dia 30 de outubro, e a polarização dada fará com que a esquerda fique mais à esquerda porque a direita estará mais à direita. Com isso, as condições de o governo Lula ter apoio mais amplo da frente democrática, que o terá apoiado no segundo turno, são mais reais.

Nesse primeiro turno os movimentos sociais nacionalmente organizados atuaram como sujeitos políticos tanto lançando candidaturas orgânicas como colocando no debate eleitoral plataformas com suas pautas, para as quais angariaram apoio de inúmeras candidaturas para o parlamento e para os governos estaduais. Isso pode ser um elemento que ajude a construir uma correlação de forças no governo Lula mais favorável a estas causas.

A missão neste mês de outubro é eleger Lula Presidente da República, mas para que isso ocorra, com alteração da correlação de forças que marcou o primeiro turno, é necessário que a campanha ganhe as ruas, espaço que os movimentos sociais costumam ocupar com maestria. Não será possível impedir o fascismo de se fortalecer pela via eleitoral apenas ampliando os apoios institucionais.

Em Pernambuco, duas mulheres chegam ao segundo turno para disputar o governo. Seria isso uma vitória do feminismo? Sim e não. Sim porque foi a luta feminista que criou as condições históricas de possibilidade para que isso acontecesse, que mulheres pudessem votar e serem votadas, que mulheres fossem vistas como seres autônomos responsáveis por suas decisões, capazes de se posicionar politicamente e assumir cargos de poder. Mas também não, porque ambas as candidatas não marcaram suas carreiras políticas pelo compromisso com as causas feministas.

Não basta falar da redução da violência contra a mulher, embora isso seja muito necessário, é preciso propor um modelo de desenvolvimento com justiça socioambiental que garanta trabalho, renda e vida digna para todas nós. Uma política que faça com que os lugares em que vivem as mulheres negras chefes de família sejam protegidos da violência, e que também sejam lugares na qual a saúde, educação e lazer estejam presentes, para que seus filhos não sejam disputados pelo crime organizado nem mortos pela polícia do Estado. É preciso ir além de programas sociais e ter uma política econômica que possibilite empregos com direitos para mulheres que vivem na pobreza. É preciso enfrentar o racismo e o sexismo de forma concreta, e não com discursos, com políticas que assegurem a participação e o poder de decisão, que sejam capazes de enfrentar as desigualdades sociais.

Nós, mulheres feministas, temos colocado no debate público a legalização do aborto como um direito de decidir autonomamente sobre nossa vida reprodutiva. Nós queremos decidir ter filhos e poder criá-los com condições de vida dignas, mas também decidir não os ter e poder abortar em segurança, em hospitais públicos, quando ocorre uma gravidez indesejada, ou quando se é vítima de um estupro. Essa é uma pauta que está em debate nesse momento das eleições e mulheres comprometidas com mulheres a apoiam.

Essa eleição mostrou também a urgência da mudança radical do sistema político brasileiro. Um exemplo concreto é a votação de mais de 80 mil votos para Robeyoncé Lima, uma mulher preta, periférica e travesti, com um programa de esquerda defendido na campanha, que teve todo esse lastro de apoio e não vai nos representar na Câmara Federal, quando outras candidaturas com 60 mil votos foram eleitas deputados federais.

Esse sistema eleitoral, da forma como está organizado legalmente, cria um uma ideia falsa de que o apoio popular para uma candidatura individual é suficiente para elegê-la. Não é. A eleição de uma parlamentar depende do coeficiente atingido pelo seu partido ou federação. Na eleição no Brasil se dá o voto em uma pessoa e ele é somado a todos os votos dados para seu partido/federação. Ou seja, atingir o coeficiente depende também de todas as outras candidaturas daquele partido galgarem uma quantidade boa de votos. A forma como as eleições ocorrem, e as campanhas, passa a ideia de que basta votar em uma pessoa. E, por fim, gera uma injustiça sem proporções, como a que aconteceu com a candidata do PSOL, mas também com outras.

A candidatura de Robeyoncé, com poucos recursos e mais de 80 mil votos, é a demonstração de que o debate feminista, negro e LGBTQIA+ colocado na sociedade brasileira não tem retorno. A bancada de esquerda na ALEPE é outro exemplo, com duas mulheres negras, Dani Portela – PSOL e Rosa Amorim – PT, sendo eleitas deputadas estaduais.

Nós, do movimento feminista, temos defendido que a eleição seja feita por listas partidárias fechadas como chapas, organizadas com alternância de sexo e raça, com o ordenamento das candidaturas sendo feito pelos encontros partidários, e que os partidos sejam obrigados a apresentar no debate público o programa político que vão defender. Isso permite que as pessoas que queiram ser candidatas se mobilizem para fortalecer seu partido, construir um programa e para estarem na lista em posições que lhes garantam eleição a partir da votação do partido. A eleição em lista fechada seria um elemento para gerar condições de enfrentar a sub-representação de mulheres, pessoas negras e jovens no parlamento, mas também fortaleceria a instituição ‘partido’ na sociedade brasileira e colocaria em discussão projetos políticos, o que não pode ocorrer na forme de hoje, com 35 agremiações partidárias que nada representam em termos de propostas de rumos para o país ou para cada unidade federativa.

Estes dois debates que estou colocando aqui, reforma política no plano federal e políticas públicas para enfrentar a desigualdade das mulheres no plano federal e estadual, são elementos fundamentais que poderemos trabalhar no próximo período. Não só o movimento feminista, mas o conjunto dos movimentos sociais que sai vitorioso dessa eleição pela sua capacidade propositiva.

Agora em outubro, é tudo ou nada. A missão fundamental de todo mundo é ganhar corações e mentes para o apoio à candidatura Lula. Eleger Lula Presidente da República é derrotar o fascismo. Eleger Lula Presidente da República é gerar condições favoráveis para que possamos lutar pela retomada de direitos e pela reconstrução do Estado democrático de direito. Ainda que essa democracia não seja aquela com a qual sonhamos, precisamos dela para construir as possibilidades de sonhar.

Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

 

fonte: https://marcozero.org/outubro-ou-nada/


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