Mobilização realiza marcha nesta quinta-feira e levará ao centro do poder as principais pautas e reivindicações dos quilombolas
Instituto Socioambiental - ISA
A diversidade e a resistência dos quilombos de todo o Brasil irão ocupar as ruas e os corredores de Brasília nesta quinta-feira, dia 16 de maio, quando acontece a segunda edição do Aquilombar – maior mobilização do movimento quilombola, organizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Com uma programação diversificada que inclui palestras, performances culturais, exposições artísticas, feira com produtos quilombolas, rodas de conversa, lançamentos de dados e iniciativas sociais, o Aquilombar permite que as comunidades negras rurais de todo território nacional compartilhem suas vivências, saberes e experiências, contribuindo para a preservação e fortalecimento da herança cultural afro-brasileira.
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Neste ano, o encontro busca explorar as conexões entre passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável, levando o tema “Ancestralizando o Futuro”.
Uma marcha está prevista para a quinta-feira (16/5) até o Congresso Nacional. Após a mobilização pelas ruas de Brasília, deve acontecer a leitura e aprovação da carta final do Aquilombar 2024.
No centro das pautas e reivindicações dos quilombolas estão o direito à terra, o combate ao racismo, a garantia de direitos básicos, a preservação da cultura e do meio ambiente e a necessidade de avanço nas políticas institucionais para os quilombos.
Em 2022, a população quilombola foi incluída pela primeira vez no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa que acontece há 150 anos e apresenta o retrato demográfico, geográfico e socioeconômico do país.
Os dados do Censo revelaram que o Brasil tem mais de 1,3 milhão de quilombolas, dos quais menos de 5% vivem em territórios titulados. Além disso, a idade mediana dos quilombolas era de 31 anos em 2022, abaixo da população total residente no Brasil, de 35 anos.
Os resultados da pesquisa são essenciais para a construção das políticas públicas e sociais, uma vez que levantam discussões sobre a segurança, a expectativa de vida e as necessidades prioritárias desses grupos.
Direito à terra
Símbolo de concretização da luta política quilombola, o Decreto 4.887/2003, que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos”, completou vinte anos em novembro de 2023.
Essa é uma política fundamental para a garantia do direito à terra das populações quilombolas e, desde o início, enfrenta dificuldades para ser instituída de fato. No passado, sua legitimidade, constitucionalidade e formalidade foram fortemente questionadas.
Hoje, um dos principais desafios é lidar com a falta de vontade política e a falta de orçamento para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), responsável por executar a reforma agrária, realizar o ordenamento fundiário nacional e emitir títulos de territórios quilombolas.
Segundo dados do último censo demográfico do IBGE, são quase 6 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo país e apenas 147 tiveram seu título emitido.
Uma política para o futuro dos quilombos
Assinada pelo presidente Lula no Dia da Consciência Negra, em 2023, a Política Nacional de Gestão Territorial Ambiental Quilombola (PNGTAQ) foi finalmente instituída após dez anos desde o início de sua construção.
Na ocasião, Lula comentou que o ato era “o pagamento de uma dívida histórica, que a supremacia branca construiu nesse país desde que esse país foi descoberto, e que nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática”.
Estruturada em cinco eixos (integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental; produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional; ancestralidade, identidade e patrimônio cultural; educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental e organização social para a gestão territorial e ambiental), a política se propõe a promover práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas; atuar para garantir os direitos territoriais e ambientais dessas comunidades; favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada; proteger o patrimônio cultural material e imaterial; conservar a biodiversidade e fomentar seu uso sustentável, e ainda, promover a melhoria da qualidade de vida e a justiça climática.
A construção da PNGTAQ se deu por um processo conjunto envolvendo diversos territórios e lideranças da CONAQ de todo o Brasil. Além dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério da Cultura, Ministério da Igualdade Racial, Ministério do Desenvolvimento Social, dentre outros que estão previstos para compor o futuro Comitê Gestor da política.
Apesar de uma grande conquista, o movimento quilombola ainda não tem resposta sobre a formação e implementação do Comitê Gestor*.
Em novembro, o Ministério da Igualdade Racial havia comentado que “a partir do dia 20 [de novembro], as ministras Anielle Franco e Marina Silva, em conjunto com o ministro Paulo Teixeira, devem publicar em noventa dias um ato próprio estabelecendo critérios e procedimentos para a definição das organizações quilombolas que irão compor o Comitê Gestor”. Entretanto, já se passaram quase seis meses e isso ainda não aconteceu.
*O Comitê Gestor tem como papel planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da PNGTAQ; propor ações, planos, programas e recursos necessários à implementação da PNGTAQ no âmbito do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e de outras fontes de financiamento; assegurar a realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas no âmbito de iniciativas governamentais e legislativas que as afetem, observada a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e os protocolos de consulta existentes e aprovar o seu regimento interno, por maioria simples de votos.
Mesa Quilombola
Criada para dar visibilidade à política de titulação de quilombos, a Mesa Quilombola, que estava suspensa há 7 anos, foi retomada.
Em um evento promovido pelo Incra no último mês de abril, em Brasília, foi assinado um Protocolo de Intenções entre a Conaq e a autarquia com o objetivo de “estabelecer a cooperação e colaboração mútua na área de regularização fundiária dos territórios quilombolas, notadamente quanto ao intercâmbio e compartilhamento de informações, pesquisas e estudos, por meio da implementação de ações, programas e projetos que favoreçam a instrução dos processos de regularização fundiária em trâmite perante o Incra”.
A mesa foi descontinuada no governo Temer e assim permaneceu durante o governo Bolsonaro.
Principais pautas do movimento quilombola nacional:
- Reconhecimento e demarcação de territórios, com garantia da posse e do direito ao uso da terra pelas comunidades conforme sua sabedoria e tradições.
- Regularização fundiária, garantindo segurança jurídica sobre suas terras e acesso a políticas públicas de desenvolvimento, como crédito agrícola e programas de assistência técnica.
- Acesso a serviços básicos, como saúde, educação, saneamento básico e energia elétrica.
- Preservação cultural e ambiental, incluindo tradições, línguas, práticas agrícolas e religiosas, além da proteção do meio ambiente nos territórios quilombolas, promovendo práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
- Combate ao racismo e à discriminação, buscando o reconhecimento da contribuição histórica e cultural das comunidades quilombolas para a sociedade brasileira e promovendo a igualdade de direitos.
Racismo e violência
Segundo o estudo “Racismo e violência contra quilombos no Brasil”, lançado em novembro de 2023 pela Conaq e pela organização Terra de Direitos, a média anual de quilombolas assassinados de 2018 a 2022 quase dobrou em relação ao período de 2008 a 2017.
Dos 32 homicídios registrados de 2018 a 2022, quase a metade foi de “lideranças reconhecidas pelas comunidades”, com 15 casos. Em 10 das 26 comunidades em que os crimes ocorreram, observa a publicação, não há processo de regularização do território aberto no Incra.
Ou seja, territórios à espera de regularização estão mais vulneráveis à violência, conforme comprovam os dados. Segundo números da Fundação Palmares, há hoje 1.805 processos inconclusos em tramitação no Incra para regularização de territórios quilombolas.
Um dos assassinatos de maior repercussão foi o de Mãe Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em agosto passado, no Quilombo Pitanga de Palmares, em Simões Filho (BA). O crime cometido contra a Yalorixá e liderança de terreiro também expôs a questão da violência de gênero, abordadas na pesquisa.
O feminicídio é a segunda maior causa de mortes entre quilombolas, perdendo somente para os conflitos fundiários. O estudo mostrou que a proporcionalidade de mulheres quilombolas assassinadas dobrou em comparação com o período de 2008 a 2017, que registrou a morte de oito mulheres em dez anos.
As organizações afirmam no documento que a violência contra as mulheres é também reflexo da luta política desempenhada por elas nos quilombos em defesa do território e da sobrevivência das comunidades.
Crise Climática
As rodas de conversa previstas para a quinta-feira (16/05) incluem discussões sobre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que neste ano acontecerá em Belém (PA).
Essa é a primeira vez que o maior evento global de discussões climáticas vai desembarcar no Brasil, e a expectativa é de que a Amazônia e os povos que ali vivem ocupem uma posição central nas discussões.
Com a proximidade da COP 30, Vercilene Dias, advogada quilombola e assessora jurídica da Conaq, defendeu que as discussões sobre o direito à consulta e a presença de lideranças dos povos da floresta sejam assegurados.
“Porque são justamente [eles] que estão sendo afetados. Quem sofre as afetações [das mudanças climáticas] não são as pessoas de classe média ou que estão nos grandes centros; são as pessoas da periferia, as comunidades tradicionais”, disse.
Do sudoeste de São Paulo para a capital do país
Em meio a um cinturão verde de mais de 2 milhões de hectares de floresta preservada no maior remanescente de Mata Atlântica do Brasil, mais de 80 comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, em São Paulo, lutam contra o racismo ambiental e diversas violações dos seus direitos.
Durante centenas de anos, buscaram o protagonismo sobre suas narrativas para combater a criminalização das práticas tradicionais e dificuldade para obter licenças para o cultivo da terra.
Em Brasília, eles vão unir suas vozes com as de lideranças de todo o país para defender o acesso a serviços básicos, o incentivo à agricultura familiar e o apoio a iniciativas de reflorestamento, como a Rede de Sementes do Vale do Ribeira, que recupera áreas degradadas da Mata Atlântica.