Quase lá: Antifeminismo, família e ignorância

Eva Blay - Durante muitos anos louvamos a família ocultando o que ocorria em muitas delas. Foi difícil romper esta visão romântica e revelar que é justamente dentro de muitas delas que ocorrem violências contra meninas e mulheres.

 

feminismo stephanie polloPor Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

  Publicado: 05/01/2023

Durante muitos anos louvamos a família ocultando o que ocorria em muitas delas. Foi difícil romper esta visão romântica e revelar que é justamente dentro de muitas delas que ocorrem violências contra meninas e mulheres. E também contra meninos. No momento em que um novo governo se instala em São Paulo e propõe uma Secretaria da Mulher, é preciso lembrar alguns dados: em 2021 ocorreram um estupro a cada dez minutos e um feminicídio a cada sete horas. Foram 56.098 estupros incluindo crianças desde a menor idade. Houve 1.319 mulheres vítimas de feminicídio, conforme dados coletados pelo Forum Brasileiro de Segurança Pública. Esses dados podem ser detalhadamente analisados nas páginas do Instituto Patricia Galvão.

O triste diagnóstico é resultado de imenso e extraordinário trabalho de mulheres e homens feministas que se empenham em denunciar e encontrar soluções para que todas as pessoas, independentemente de sua condição de gênero, cor, idade sejam respeitadas. Ao indicar a vereadora Sonaira Fernades para dirigir a Secretaria da Mulher, o governador Tarcísio de Freitas provavelmente desconhece alguns dados que a socióloga e advogada Adriana Gragnani lembrou e que transcrevo a seguir:

40 anos de reconhecimento!!!

Ô abre alas que eu quero passar!” cantou Chiquinha Gonzaga em 1899. E assim fizemos, nós, feministas de variados contornos ideológicos (sim, uma frente política era possível), abrindo espaços, exigindo, na primeira eleição para governadores, ainda na vigência da ditadura militar, a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina.

Não éramos endemoniadas! Éramos movidas, à época, pela luta que empreendíamos, mais acentuadamente a partir de 1975, com a instituição pela ONU do Dia Internacional da Mulher. A ONU não expressou a vontade de satanás. Os povos lá reunidos compreenderam que a situação da mulher no mundo carecia de políticas e ações concretas para superar a desigualdade, reconhecendo a população feminina como cidadãs do mundo. Havia a constatação de que as diferenças biológicas existentes entre mulheres e homens eram utilizadas, em diversos campos da vida social, negativamente, em desfavor da população feminina mundial. Era a aplicação de um conceito relacional, o conceito de gênero.

E assim, pelo Decreto 20.892, no dia 4 de abril de 1983 o governador eleito, Franco Montoro, criou o Conselho Estadual Feminino da Condição Feminina, para que as mulheres (acadêmicas, de partidor políticos, integrantes da sociedade civil) pudessem formular políticas de fomento à igualdade para o Estado de São Paulo.

Não foi obra do inferno! Sua primeira presidenta, a socióloga, professora Emérita da USP, Eva Blay, instituiu os eixos de trabalho, após discussão:

1.combate à violência praticada contra a mulher,
2.situação das trabalhadoras no campo e na cidade,
3. creche para a mulher trabalhadora, evoluindo para a compreensão de que creche era direito da criança, opção das famílias e dever do Estado,
4. saúde da mulher e
5. mulher negra.

Graças às políticas traçadas pelo Conselho foi criada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher. Foi em razão desse trabalho, no qual pela primeira vez o Estado reconheceu as desigualdades de várias ordens que atingiam as mulheres, que passados 40 anos vemos, no governo estadual, em 2023, a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres.

Todavia, pelas declarações da secretaria nomeada Sonaira Fernades, nota-se que o governador eleito, Tarcísio de Freitas, não se guiou pelo espírito de Franco Montoro e das mulheres que o pressionaram na campanha de 1982 e que não eram demônios e sim feministas. Não começou bem a secretária ao afirmar sua admiração por Damares Alves, atual senadora e ex-ministra da Mulher e da Família de um governo que terminou nas trevas. Damares que disse que menino vestia azul e menina rosa; uma mulher que foi no rastro do masculino ao afirmar com grande equívoco e ignorância a existência de uma ideologia de gênero. Não conhece a história e cultiva preconceitos ao afirmar que “Feminismo é o grande genocida do nosso tempo”, “O feminismo é sucursal do inferno. Quem se diz feminista e cristã está servindo ao Satanás e seus demônios”.

Espero e sugiro que a secretária Sonaira respeite e estude o legado deixado pelas feministas, pois, foram estas que lhe abriram o caminho há 40 anos, ainda na ditadura militar.

Adriana Gragnani

fonte: https://jornal.usp.br/articulistas/eva-alterman-blay/antifeminismo-familia-e-ignorancia/


Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...