Quase lá: Legislativo Federal discute perfil da mulher brasileira

IBGE divulga aspectos da população feminina e sua participação no mercado de trabalho

las são maioria no país, têm vida média mais elevada que os homens e assumem, cada vez mais, o comando das famílias. Segundo os indicadores, a nova mulher brasileira desempenha um papel cada vez mais importante na sociedade. É o que mostra o estudo "Perfil das mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil", realizado pelo IBGE. Baseado em informações do Censo 2000, a pesquisa destaca os dados mais significativos das brasileiras que têm sob sua responsabilidade 24,9% dos domicílios no país. Em 1991, apenas 18% dos domicílios estavam nesta situação.

Para compor um perfil mais abrangente, também foram apresentados dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) sobre a situação da mulher no mercado de trabalho. Entretanto, os resultados causaram alguns questionamentos no Legislativo Federal. Para a deputada Ângela Guadagnin (PT/SP), "a forma como eles colocaram, está muito mais fazendo propaganda dos oito anos do governo Fernando Henrique do que realmente fazendo uma análise de dados".

A fim de obter detalhes sobre o estudo, os deputados José Dirceu (PT/SP) e Ângela Guadagnin (PT/SP) elaboraram um requerimento, solicitando a presença do Ministro do Planejamento, Gestão e Orçamento, Guilherme Dias, no Congresso Nacional. O objetivo: prestar esclarecimentos sobre os métodos de elaboração de estatísticas e indicadores usados pelo IBGE. De acordo com o documento "a audiência se impõe em face da recente pesquisa publicada pela mídia, com base em release à imprensa do próprio IBGE, sobre a situação da mulher brasileira, onde percebe-se uma distorção nas informações divulgadas". Durante reunião, a base governista sugeriu a convocação do próprio presidente do IBGE, Sérgio Vianna. A audiência pública foi marcada para o dia 23 de abril.

Quanto à metodologia adotada pelo instituto, Vandeli Guerra, consultora do IBGE, ressalta que a função da equipe é retratar os fatos: "não temos que tomar partido. Nós não damos opinião, nós informamos. Não nos cabe ficar debatendo, o que nos cabe é pesquisar e mostrar a realidade". O sistema de pesquisas por amostra de domicílios investiga diversas características socioeconômicas. Umas são de caráter permanente nas pesquisas, como indicadores gerais da população, educação, trabalho, rendimento e habitação. Outras possuem periodicidade variável, como dados sobre migração, fecundidade, nupcialidade, saúde, nutrição e outros temas que são incluídos no sistema de acordo com as necessidades de informação para o País. "Como todo instituto de estatística conceituado do mundo, estamos aqui para mostrar os dados. Temos que nos preocupar é com a qualidade da informação. Não nos cabe agradar. O que sair, saiu", conclui a consultora Vandeli Guerra.

Dupla jornada

A PNAD, realizada pelo IBGE no país, constatou que na população ocupada, o percentual de mulheres passou de 38,8%, em 1992, para 40,3%, em 1999. Na população masculina, a participação dos homens ocupados declinou de 72%, em 1992, para 67% no mesmo período. Graça Ohana, socióloga e técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), ressalta que é fundamental verificar os motivos desta tendência. A presença da mulher no mundo do trabalho pode ser analisada positivamente ou de forma negativa: "entre as mulheres idosas, por exemplo, muitas são obrigadas a trabalhar por mais tempo, quando já deveriam estar descansando. Em outros casos, elas precisam assumir a responsabilidade da família, ou porque o casamento foi dissolvido, ou porque o marido perdeu o emprego".

Ainda segundo a PNAD, entre as mulheres que trabalhavam, a parcela das que também exerciam afazeres domésticos passou de 90%, em 1992, para 93,6%, em 1999. É a chamada dupla jornada. Na opinião de Graça Ohana, "este é mais um indicador do quanto as mulheres são exploradas".

Renda feminina

Os números do estudo "Perfil das mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil" mostram que, apesar da defasagem entre os rendimentos dos dois gêneros continuar diminuindo, a remuneração média feminina ainda ficou em patamar muito inferior a dos homens. Em 1992, este rendimento representava 61,6% da recebida pelos homens e, em 1999, alcançou 69,1%. Para a deputada Ângela Guadagnin, a pequena melhora nestes indicadores não significa um real aumento de salário: "é necessário considerar fatores como a inflação do período e a taxa de desvalorização cambial".

A maior autonomia das mulheres não se traduziu, necessariamente, em igualdade de renda em relação aos homens. Um exemplo é o rendimento médio mensal das mulheres responsáveis por domicílios - R$ 591,00 - inferior ao dos homens na mesma condição -R$ 827,00. Metade delas sustenta a família com menos de 1,8 salário mínimo.

Quanto às pesquisas realizadas pelo IBGE, Graça Ohana, chama atenção para o fato de não haver dados sobre desemprego. "Talvez este dado não apareça porque eles estão fazendo uma autocrítica da taxa de desemprego do instituto, que é muito baixa", explica Graça Ohana, referindo-se à PME (Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE) que, em fevereiro deste ano, apresentou uma taxa média de desemprego equivalente a 7%.

Distruibuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, segundo o sexo e os grupos de horas semanais habitualmente trabalhadas em todos os trabalhos

Brasil - 1999

HOMENS
Horas semanais %
Até 14 horas 2,7%
15 a 39 horas 15,3%
40 a 44 horas 33,7%
45 a 48 horas 20,2%
49 horas ou mais 28,1%

MULHERES
Horas semanais %
Até 45 horas 11,8%
15 a 39 horas 32,3%
40a 44 horas 28,8%
45 a 48 horas 12,1%
45 horas ou mais 15,0%

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
Nota: Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Distruibuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, segundo os setores de atividade do trabalho principal

Brasil - 1999

HOMENS
Setores %
Agrícola 26,8%
Indústria da Transformação* 15,2%
Indústria da Construção 10,6%
Comércio de Mercadorias 13,4%
Serviços 34,0%

MULHERES
Setores %
Agrícola 20,4%
Indústria da Transformação* 8,9%
Indústria da Construção 0,6%
Comércio de Mercadorias 13,5%
Serviços 56,6%

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
Nota: Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
(*) Inclusive outras atividades industriais.

Em artigo publicado no site observatoriodaimprensa.com.br, o jornalista e professor da Universidade de São Paulo, Bernardo Kucinski, afirma que em termos salariais: "o falseamento das estatísticas de renda da mulher partiu do IBGE que, no seu release à imprensa, omitiu o qualificativo nominal". O Rendimento Médio Nominal corresponde à remuneração recebida pelo trabalhador, porém sem considerar o índice de inflação daquele período. Por exemplo: o profissional que recebe o mesmo salário, desde 1992, teve seu poder de aquisição reduzido, com o passar dos anos. Para se obter o grau desta desvalorização, é necessário calcular o Rendimento Real.

Para Kucinski, "o movimento feminista e os partidos de oposição perderam a oportunidade de combater a propaganda otimista das agências do governo. Poderiam ter soltado seu próprio quadro estatístico, já pronto em documentos como Cairo +5, o caso Brasileiro, publicado em 1999 pela Comissão Nacional de População e Desenvolvimento, com o perfil sem retoques da mulher brasileira".

DIEESE

O DIEESE também faz uma análise da situação das trabalhadoras brasileiras. Para o Departamento, em relação à qualidade do emprego, as mulheres estão sujeitas a trabalhar em postos mais vulneráveis do que os homens. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE, a proporção de mulheres com vínculos de trabalhos precários, sem acesso a benefícios sociais (sem carteira assinada, autônomas que prestam serviços, empregadas domésticas e trabalhadoras familiares não-remuneradas) é sistematicamente superior à de homens.

O estudo do DIEESE também mostra que o aumento da escolaridade das mulheres não garante igualdade de remuneração no mercado de trabalho e nem mesmo diminuição das diferenças, na mesma proporção do crescimento da instrução. A comparação entre os rendimentos de homens e mulheres com carteira de trabalho assinada pelo empregador e com o mesmo grau de instrução, em 2000, revela que as diferenças permanecem.

A desigualdade na remuneração é mais acentuada entre @s trabalhadores/as com carteira assinada que têm nível superior. Enquanto 52,8% dos homens com este grau de instrução recebem mais de dez salários mínimos, apenas 30,1% das mulheres atingem este patamar salarial.


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