Quase lá: Candidaturas femininas: Mesmo com cotas obrigatórias, a presença das mulheres ainda é pouco representativa

Apesar da articulação dos movimentos feministas, das mulheres dos partidos políticos, de gestoras e da Bancada Feminina do Congresso para a aprovação de propostas para o empoderamento das mulheres nos espaços de poder, as mulheres ainda são ínfimas na representação política institucional. Elas representam um grande contingente das candidaturas pequenas. São, em grande parte, candidaturas pouco competitivas e recebem pouco ou nenhum apoio de seus partidos. E, mais uma vez, os partidos não cumpriram o percentual obrigatório mínimo de 30% de candidaturas femininas.

Não é justificável o fato dos partidos políticos alegarem tamanha dificuldade para cumprirem as cotas, tendo em vista que já se passaram 15 anos desde a primeira iniciativa para alterar o quadro de subrepresentação feminina até a sua exigibilidade no atual pleito eleitoral. Tempo hábil para que fossem se adequando à necessidade de incorporar mais mulheres no seu cotidiano, criando instâncias específicas, investindo na formação política, destinando recursos e apoiando candidaturas.

A lei atual (12.034/2009) superou a exigência de mera reserva de vagas por sexo para determinar o preenchimento obrigatório de no mínimo 30% e no máximo de 70% de candidaturas por sexo apresentadas por partidos ou coligações para os cargos proporcionais. Trata-se de uma modificação da regra legal que exige da mesma maneira uma mudança na postura para sua aplicação.

Outras duas medidas aprovadas com o objetivo de fortalecer a participação política feminina são os 10% do tempo de propaganda partidária e a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário para a formação política e o incentivo à participação feminina - propostas que, assim como a proporcionalidade das cotas, não foram cumpridas pelos partidos nesse pleito eleitoral.

A partir dessas conquistas, o CFEMEA e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) desencadearam um processo de monitoramento das candidaturas apresentadas pelos partidos políticos aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Foi feito um levantamento, por unidade federativa, partido político e sexo do número de candidaturas femininas e masculinas e o excedente de candidaturas masculinas sobre o percentual máximo de 70% com vistas a mostrar que se a proporcionalidade não está sendo cumprida, também é porque existem mais candidaturas do sexo masculino do que as que a lei permite. Além disso, o que almejamos é a efetivação dos direitos políticos das mulheres e o monitoramento das cotas nas eleições. Com essa informação e argumentação, AMB e CFEMEA enviaram cartas aos TREs e também às Procuradorias Regionais Eleitorais (PREs) pedindo a fiscalização e aplicação da nova Lei. São as PREs o órgão fiscalizador que pode entrar com processo, além dos partidos políticos e candidat@s, pedindo a impugnação das candidaturas - nós, cidadãs e cidadãos não temos o direito de participar diretamente desse processo.

30% de mulheres é obrigatório!

A aplicação da Lei na maioria dos TREs contrariou o estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que os partidos e coligações são obrigados a cumprir a proporcionalidade das cotas dentre @s candidat@s inscritos para a disputa das eleições proporcionais. Segundo o tribunal, caso a legenda não tenha atingido o percentual, terá de inscrever novos candidatos do sexo feminino ou retirar o registro de candidaturas masculinas. A determinação da Corte Superior ocorreu posteriormente, somente em resposta aos recursos questionando decisões proferidas pelo TREs. Existem, até o momento, 19 recursos sobre a aplicação das cotas, provenientes dos estados Pará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Amapá.

A justificativa legal da aprovação das listas partidárias, apesar do não cumprimento do percentual mínimo, é a impossibilidade de se obrigar alguém a concorrer ou que “não se pode exigir que o partido político desista das demais candidaturas ou, pior ainda, obrigue alguém a concorrer apenas para cumprir cota”(Acórdão, 24.769/2010, relatoria da juíza Eliana Paggiarin Marinho). O que ocorre na realidade não é um problema individual das mulheres, mas o baixíssimo incentivo que os partidos oferecem a elas para se candidatarem. Quando o fazem, as candidatas não recebem de seus partidos apoio, recursos ou estrutura para viabilizarem suas candidaturas. As decisões que se valem de tal argumento invertem a lógica de redução do déficit democrático de gênero na arena política. A imposição de corte das candidaturas masculinas não somente está expressa na lei, pela proporcionalidade de 30% e 70%, mas também pode funcionar como sanção. Assim, o partido político ou coligação que não apresentar o número de mulheres nas suas listas estabelecido pela legislação, não poderá dispor de todas as vagas de candidaturas.

A legislação permite que partidos e coligações lancem até 200% de candidatos para o total de vagas em disputa (Lei nº 9.504/1997). Além disso, o sistema eleitoral brasileiro de listas abertas produz campanhas mais individualizadas, criando uma competição interna em cada partido, pelos recursos da competição eleitoral - recursos materiais, presença na mídia, contatos eleitorais ou outras formas de capital político. Fazendo com que @s candidat@s de um mesmo partido disputem a preferência do eleitorado entre si e entre @s candidat@s dos demais partidos. Assim, tendem a afetar especialmente as candidaturas de setores que tradicionalmente estão ausentes das instâncias políticas e estão tentando ingressar nelas, como as mulheres e a população negra.

Sobre a presença d@s negr@s, importa ressaltar que o TSE não colhe a informação do quesito racial nas fichas de candidaturas o que impede o acesso à informação e a possibilidade de sabermos quantas candidaturas no país são de pessoas brancas, negras, indígenas. Essa proposta foi apresentada pela Bancada Feminina em 2009, mas barrada pela representação masculina e branca do Parlamento.

Uma reforma mais ampla do sistema político eleitoral se torna imprescindível. Com a adoção de listas fechadas, preordenadas, com alternância de sexo, financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais e o devido cumprimento das ações afirmativas que já constam da atual legislação, para que o quadro de déficit democrático de representatividade das mulheres seja alterado.

De certo que a história de dominação patriarcal e racial acabou por imprimir representações e condutas predominantemente ligadas ao poderio masculino branco ao mundo da política, desqualificando a representação das mulheres e d@s negr@s. Contudo, a subrepresentação feminina é apresentada como desinteresse político por parte das mulheres, não cabendo aos partidos “obrigarem-nas” a se candidatar. Tal ausência é, na verdade, decorrente da cultura patriarcal, racista, da divisão sexual do trabalho, das instituições político-partidárias e do próprio sistema político eleitoral. Sendo necessárias ações afirmativas e políticas de Estado para a superação dessa ausência.

Candidaturas femininas nas Eleições 2010

Segundo os dados disponibilizados pelo TSE, do total de candidaturas apresentadas, poucos foram os partidos que cumpriram o percentual exigido por lei nos estados, para os cargos proporcionais (deputad@ federal e deputad@ estadual/distrital). Mesmo com as dificuldades e críticas apontadas, houve um incremento de oito a dez pontos percentuais nas candidaturas femininas para os cargos proporcionais. Já no Senado, as candidaturas femininas não se alteraram, porém as masculinas aumentaram. Para os governos, dez mulheres a menos concorrem este ano.

Apenas os estados do Mato Grosso do Sul, Amazonas, de Santa Catarina e do Rio de Janeiro alcançaram o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas para o cargo de deputad@ federal. Para o cargo de deputad@ estadual, somente o Rio de Janeiro cumpriu as cotas.

Com os piores índices para deputad@ federal encontram-se Pernambuco, com 8,04%, e Goiás, com 8,45%. O Espírito Santo figura em último lugar para deputad@ estadual e Maranhão e Tocantins logo à frente com os percentuais de 14,56% e 14,72%, respectivamente.

Os dois maiores colégios eleitorais, além do Rio de Janeiro, não se encontram em patamares tão superiores. São Paulo possui apenas 20,96% e 18,93% de candidatas mulheres à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, respectivamente, e Minas Gerais 15,37% e 15,49%.

A Região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para deputad@ federal quanto para estadual com 26,67% e 27,14%, e a Região Nordeste o pior índice para ambos os cargos também, com 17,23% e 20,65%.

Analisando os partidos políticos em cada unidade federativa para a disputa à Câmara Federal, observa-se também o descaso com a lei por muitos deles. A média dos partidos que conseguiram cumprir as cotas foi de 6,59 partidos em cada estado. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) não alcançou as cotas em nenhum estado e os Democratas (DEM) em apenas três. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem o melhor desempenho, atingindo o número de candidaturas femininas necessárias para preencher o percentual exigido em lei em 13 estados.

Nas candidaturas para as Assembléias Legislativas e Câmara Distrital, o cenário é ainda pior. A média ficou em 5,59 partidos sendo que nos estados do Espírito Santo e Rondônia nenhum partido alcançou o percentual mínimo. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) observou a lei em 12 estados, o melhor resultado para o cargo, sendo que os piores foram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Trabalhista Cristão (PTC) e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB).

Das 6.037 candidaturas apresentadas para a Câmara dos Deputados, apenas 22,28% eram de mulheres. Para o cargo de deputad@ estadual e distrital a média foi de 22,73%. Os seja, grande parte dos partidos e coligações descumpriu a lei. Aliado a tais dados, o índice de registros de candidaturas femininas impugnadas para deputad@ federal é 44,4% maior do que as impugnações dos registros das candidaturas masculinas. Foram consideradas inaptas mais de 23% dos registros de mulheres, para apenas 10% dos registros de homens, que formam um universo de 4.702 candidatos.

Candidaturas em números

1) Assembléias Estaduais e Distrital

  • Média geral: 22,7% mulheres candidatas (3.466 candidatas) e 77,3% homens candidatos (15.246)
  • Em 2006: 14,2% de mulheres e 85,8% de homens
  • Por Unidade Federativa
    • Estados com os melhores percentuais de candidaturas femininas: RJ (30,5%) - único que atingiu a proporcionalidade mínima
    • Os estados que chegaram mais próximos: AM (29,9%); RR (29,4%); SC (29,3%); CE (29%)
    • Estados com os piores percentuais: ES (11%); MA (14,6%); TO (14,7%) MG (15,5%); SE (15,6%); PE (15,7%);
  • Por Partido Político
    • PSTU, 42,5% - o melhor desempenho. Em seguida, PCB (27,2%); PMDB (26,5%); PSB (25,8%).
    • Piores desempenhos: PRTB (17,7%); PTC (18%); PSOL (19,6%).

2) Câmara Federal

  • Média geral: 22,3% mulheres candidatas (1.345 candidatas) e 77,7% homens candidatos (6.037)
    • Em 2006: 12,7% de mulheres e 87,3% de homens
  • Por UF
    • Estados que alcançaram o percentual mínimo de 30%: MS (32,4%) AM (31%) RJ (30,5%) SC (30,6%)
    • Estados com os piores percentuais: PE (8,0%) e GO (8,5%)
  • Por Partido Político
    • PCO (44,4%) - o melhor desempenho. Em seguida: PCdoB (30,2%);PSTU (28,9%).
    • Piores desempenhos: PCB (10%); DEM (12,2%)

3) Senado Federal

  • 35 candidatas (12,8%) e 238 (87,2%) candidatos
  • Em 2006: 35 candidatas (15,9%) e 185 candidatos (84,1%)
  • Lembrando que em 2006, a renovação do Senado era de 1/3 e agora de 2/3.

4) Governos estaduais e distrital

  • 18 candidatas: 10,6% das candidaturas
  • Em 2006: 26 candidatas (12,7%)

5) Presidenciáveis

  • 2 mulheres entre 9 candidat@s: 22,2%

Fonte: TSE - Dados Preliminares de 25 de agosto de 2010

Os dados estão disponíveis no site do CFEMEA em Eleições 2010.


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