José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia e professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE
O Brasil vive o seu mais longo e profundo período de normalidade democrática e caminhamos para a sexta eleição geral, desde a promulgação da Constituição Federal e o estabelecimento do Estado de Direito. Em 1988, o eleitorado brasileiro representava 53,6% da população total do país, passando para 70,2%, em 2010. Neste período de 22 anos, a maior parte do crescimento do quantitativo da soberania popular coube ao eleitorado feminino que, praticamente, dobrou de tamanho, passando de 37,2 milhões, em 1988, para 70,4 milhões, em 2010.
As mulheres que representavam 49% das pessoas aptas a votar, em 1988, passaram a compor uma maioria de 52%, em 2010, com mais de cinco milhões de eleitoras sobre os eleitores. Houve um processo de feminização e envelhecimento do eleitorado, com crescente aumento do peso de decisão das mulheres com mais de 30 anos (balzaquianas).
Contudo, o poder de voto das mulheres não se traduziu em ocupação dos espaços de poder e a democracia brasileira continua convivendo com um persistente déficit de gênero na representação política. As mulheres ocupam apenas 9% dos assentos da Câmara dos Deputados e 12% das Assembléias Legislativas. Nunca uma mulher ocupou sequer uma das cadeiras da Mesa Diretora da Câmara. Com estes números, o Brasil ocupa o bloco da lanterninha do ranking mundial de participação política no Poder Legislativo.
A despeito da exclusão da política formal, a contribuição feminina para a democracia e o desenvolvimento do país tem sido enorme. As mulheres brasileiras superaram os homens em todos os níveis de educação (inclusive nos cursos de doutorado), possuem maior esperança de vida e são maioria na População Economicamente Ativa (PEA) com mais de onze anos de estudo. Para se ter uma equivalência ao que fazem na sociedade, somente a paridade na ocupação dos espaços do poder representaria uma situação justa.
Existe um movimento internacional pela paridade de gênero nos espaços de poder (campanha 50/50). Paridade no Executivo (Ministério paritário), no Legislativo, nos altos tribunais do Poder Judiciário e paridade nos cargos de direção das empresas públicas e privadas. Porém, há dificuldades práticas para se vencer as resistências do poder androcêntrico. Mesmo as políticas de cotas encontram barreiras para sua implementação.
As Leis 9.100/95 e 9.504/97 estabeleceram regras para os partidos chegarem a um percentual mínimo de 30% das candidaturas de cada sexo. Buscando o aperfeiçoamento da política de cotas, o movimento feminista e as forças sociais que defendem uma maior equidade de gênero na sociedade se mobilizaram para promover alterações na legislação eleitoral aplicável ao pleito de 2010. Depois de ampla negociação foi aprovada uma nova redação na Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, que regula as eleições de 2010 e substituiu a palavra “reserva” pelo verbo “preencher”.
A alteração parece pequena, mas a mudança já apresentou resultados práticos. Dados do TSE de final de julho mostram que o número de candidatas a deputadas federais passou de 490 mulheres (representando 11,4% do total), em 2002, para 737 candidatas (12,7%), em 2006 e chegou a 1.268 candidatas (representando 21,5% do total), em 2010. Para deputadas estaduais (e distritais), o número passou de 1.767 (14,8%), em 2002, para 1.995 (14,1%), em 2006, e chegou a 3.258 (22%), em 2010. O aumento mais significativo aconteceu na Região Sul que lançou 26% de candidaturas femininas. Portanto, houve um aumento considerável do número e do percentual de mulheres candidatas aos cargos proporcionais, embora a cota de 30% não tenha sido alcançada.
Tudo indica que as eleições de 2010 devem bater um recorde no número de mulheres eleitas para deputadas federais e estaduais. Contudo, este recorde poderia ser ainda maior se os 30% de piso mínimo de candidaturas para cada sexo fosse respeitado. Infelizmente, algumas autoridades da Justiça Eleitoral têm dado declarações na mídia dizendo que a cota não foi cumprida porque não podem obrigar as mulheres a serem candidatas. Ou seja, querem proteger as mulheres, segregando-as, o que é uma inversão da lógica do empoderamento. Além disto, não é verdade que faltam mulheres candidatas, pois, no corrente ano, o país tem 2,5 mulheres para cada vaga da Câmara e quase três mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas.
Evidentemente existe uma disputa política pelo sentido da lei de cotas. As ações afirmativas não eliminam a soberania das mulheres e nem dos eleitores, já que garantir um mínimo de 30% para cada sexo é uma forma de tornar o jogo democrático mais equitativo e garantir maior igualdade de oportunidade de escolha do eleitorado. Em geral, os partidos políticos, com suas direções misóginas, funcionam como uma peneira que seleciona um pequeno número de mulheres para a disputa eleitoral. Neste sentido, a cota de 30% é apenas um primeiro passo para romper com o “clube do bolinha” que predomina nos pleitos brasileiros.
As cotas foram criadas para possibilitar a redução das desigualdade de gênero na representação parlamentar. Entre os anos de 1986 e 2006 o Brasil aumentou quatro deputadas federais a cada eleição. Neste ritmo, só chegaríamos à paridade (256 deputadas) no ano de 2218. Todavia, não dá para esperar tanto. É preciso promover a igualdade acelerando o ritmo de redução do déficit de gênero. A paridade deveria ser uma meta para o ano de 2022 - bicentenário da independência - ou, no máximo, para o ano de 2032, quando do aniversário dos 100 anos da conquista do direito de voto no Brasil.