Quase lá: Políticas Públicas para a População Negra

Entrevista com Lúcia Xavier

Brasília sediou, dias 30 de junho, 01 e 02 de julho, a 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Estiveram presentes cerca de 1000 delegad@s municipais, estaduais e federais. Negr@s, indígenas, árabes, cigan@s, palestin@s e judias/eus reivindicaram seus direitos. O evento é uma oportunidade de rever as políticas públicas de inclusão social brasileiras. A entrevistada nesta edição do Fêmea é Lúcia Xavier, coordenadora da Criola - Organização de Mulheres Negras do Rio de Janeiro e secretária-executiva da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras, que nos fala um pouco mais sobre as políticas públicas voltadas para a população negra no Brasil.

CFEMEA - Como as políticas públicas que contemplem a população negra estão sendo trabalhadas hoje? Como está sendo a atuação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)?

Lúcia Xavier - Está faltando ação mais efetiva. A questão racial apresenta uma série de perspectivas que precisam ser trabalhadas em conjunto com todos os órgãos públicos e deviam ser anunciadas pela Secretaria como prioritárias, a exemplo da segurança pública, o combate à pobreza nos centros urbanos e a educação.

Constatamos que a tranversalização da questão étnica nas políticas públicas não foi absorvida. A maioria dos órgãos trabalham no máximo com projetos e não ousaram desenhar nas políticas o combate às desigualdades raciais. Um bom exemplo é a morte materna.

A política governamental apresenta ações que influenciam na vida da população negra, especialmente na das mulheres, mas essas ações precisam gerar mudanças que possam ser objetivamente observadas. Elas diminuem a mortalidade materna? Ampliam o mercado de trabalho? As medidas são ainda muito simples, e o reconhecimento da necessidade de aprimoramento parte do fato de que a realidade é drástica e a demora em transformá-la é paga com vidas. Se você tem uma série de demandas para serem transformadas em ações políticas e elas não se consolidam nem são implementadas, não há como avaliar concretamente o trabalho.

CFEMEA - O que o governo pode fazer em relação ao racismo?

Lúcia Xavier - O governo pode fazer qualquer coisa em relação ao racismo desde que considere que estas ações são prioritárias para a preparação do diagnóstico e para a realização das políticas públicas.

Prioritariamente, o governo deveria combater fortemente o racismo institucional, inclusive o que não lhe permite construir políticas que combatam as desigualdades raciais.

Apesar das medidas existentes em torno do racismo praticado pelos indivíduos, é na esfera pública que ele vai se constituir como fonte de privilégios e poder para os brancos. O que impede o cidadão negro de ser atendido no serviço público não é apenas o racismo do servidor, é a legitimidade que ele encontra para agir dessa maneira. Apenas responsabilizar as pessoas por atitudes discriminatórias é uma forma de escamotear o problema.

CFEMEA - Como você vê a questão das instâncias e mecanismos de monitoramento das políticas públicas no âmbito das questões raciais?

Lúcia Xavier - Os movimentos negros e de mulheres negras têm ao longo dos anos buscado firmar acordos com os governos municipais e estaduais para a implementação de políticas públicas que visem a redução das desigualdades e o combate ao racismo. A maioria dos governos é insensível para esta reivindicação e no máximo permitem a criação de conselhos, coordenadorias e assessorias para tratar da questão racial. Essas instâncias e mecanismos são apenas simbólicos, eles não conseguem influenciar os governos na execução das políticas.

O problema não está nos mecanismos, mas no seu respaldo. Existem conselhos em diferentes níveis que tem como função acompanhar as políticas e balizar as ações implementadas. Mas muitas vezes não há legitimidade

Os conselhos deveriam ser órgãos privilegiados do debate sobre a política pública justamente por que sua atuação exige que seus membros exercitem a cidadania.

CFEMEA - A SEPPIR promoveu a I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR). Como foi a participação da sociedade civil no evento? No que diz respeito à população negra, o debate sobre a Marcha Zumbi +10 pôde ser aprofundado?

Lúcia Xavier - Efetivamente a Conferência contou somente com os grupos mais envolvidos no combate ao racismo - negros, ciganos, judeus, palestinos e indígenas. A presença de outras organizações da sociedade civil do campo progressista foi rara. A participação da população negra foi intensa desde a mobilização para a participação nas conferências municipais até a plenária final da I CONAPIR. Muito do que já havia sido tratado nas outras conferências nacionais foi aproveitado para o documento final. Apesar do momento histórico em que a população negra é chamada para discutir as políticas públicas de seu interesse, todo o processo foi permeado por uma crítica acerca da validade das decisões tomadas na Conferência e de como elas seriam colocadas em prática, especialmente no Plano Plurianual.

De certa forma o debate sobre a Marcha pode ser aprofundado, guardando as distintas funções de cada ação. A Conferência foi uma ação do governo para corrigir as políticas públicas que já vem realizando. E a Marcha será a manifestação da população negra para exigir o seu direito a vida com dignidade e respeito.

CFEMEA - Como foi a visibilidade da Conferência? A mídia contribuiu para levar as discussões para toda a sociedade?

Lúcia Xavier - Em relação à cobertura, só houve aquela oficial, gerada e transmitida pela TV Senado. A chamada imprensa negra, veículos de caráter alternativo e de iniciativa da comunidade negra, é que esteve presente, levando informações e opiniões acerca do processo às organizações que não estiveram na Conferência. A ausência de tratamento por parte da mídia é um sinal importante e revela como a questão é tratada no dia-a-dia na sociedade.O assunto não desperta o interesse da imprensa, a difusão do conteúdo de interesse da comunidade negra é uma prática da própria população.


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