Quase lá: Direito humano à comunicação: que bicho é esse?

Ivan Moraes Filho
Jornalista, coordenador do programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire, integrante da coordenação colegiada da Cris Brasil, articulação nacional pelo Direito Humano à Comunicação

Desde cedo, aprendemos que a comunicação é um ato inerente ao ser humano. A teoria é simples. A comunicação é um processo. Um emissor (ou emissora), manda uma mensagem, através de um meio, que trafega por um canal até chegar a um receptor - ou receptora. A mensagem sempre vem num código e tudo o que possa atrapalhar a fiel recepção da mensagem é ruído.

Até aí, tudo bem. E onde entra esse tal direito humano à comunicação? Se do direito à saúde fazem parte o acesso a unidades hospitalares, a disponibilidade de medicamentos e uma política de saúde preventiva, o que compõe o direito humano à comunicação?

Direito social e político, a comunicação é garantida quando temos a liberdade (e os meios) para sermos emissores(as) de nossas próprias mensagens e quando não somos privados de sermos receptores(as) de toda e qualquer mensagem que nos interesse e que tenha sido enviada por quaisquer emissores(as), livre obstáculos ou de censura externa. Complicou? É simples. Toda pessoa humana tem o direito de dizer o que quiser, através dos meios que achar conveniente, além da liberdade de receber informações vindas de fontes diversas, livres de filtros, preconceitos ou distorções.

O primeiro passo para descobrir o direito humano à comunicação é admitir que vivemos numa sociedade midiada. Ou seja, o conflito, o debate de idéias dos tempos contemporâneos vem saindo das ruas. Foi-se o tempo da ágora grega. A discussão, hoje, acontece nos veículos de comunicação de massa. O que não está na mídia, não existe, não é fato .

Por mais que não sejamos impedidos de nos comunicar interpessoalmente, por mais que não se costurem bocas e se atem braços, uma parcela significativa da sociedade está alijada de participar desses espaços de diálogo. Não podem disputar a garantia de seus demais direitos. Como percebemos os direitos humanos como inseparáveis, interdependentes e universais, podemos ver que alguma coisa está errada.

Imagine que você acordou e percebeu que todas (eu disse todas!) as escolas do Brasil tivessem sido privatizadas. Tá bom, teríamos um ou outro colégio público, sem verbas, profissionais e equipamentos. A livre concorrência aplicada à risca decidiria quais seriam os conteúdos ensinados nessas unidades de educação. Alguns colégios ("porque o povo gosta!"), poderiam oferecer cursos técnicos (aprovados pelo Ministério, claro) de sonegação fiscal. Meninas poderiam ser obrigadas a cursar disciplinas de corte e costura e strip tease, enquanto rapazes teriam a opção entre "Como educar sua mulher" ou "Batendo sem deixar marcas". Imaginou? É mais ou menos isso o que acontece com a comunicação.

A maioria dos meios de comunicação em massa no Brasil pertencem a uma pequena elite masculina e branca, do centro sul do país . Esses "donos da mídia" ditam o que será pauta no país. De suas mesas, decidem o que vai ser conversado na sua mesa de jantar. Submetidos apenas às leis do mercado, esses veículos deixam de contemplar a diversidade da cultura brasileira e acabam validando velhos estigmas. Não porque os profissionais de mídia sejam necessariamente elitistas e preconceituosos. Mas porque atuam numa indústria em que a informação é tratada como mercadoria. Qualquer ousadia que possa custar preciosos pontos do Ibope é descartada sem pestanejar.

Compete ao Estado efetivar direito à comunicação. É imprescindível que os governos destinem verbas para este fim. Não apenas para divulgar suas ações na mídia, registre-se. Mas para ampliar o acesso da população às novas tecnologias de informação e comunicação, estimular a sociedade a produzir instrumentos de comunicação e fomentar mídias populares e comunitárias. Afinal serão estes veículos os responsáveis pela consolidação do sistema público de comunicação previsto na Constituição de 1988.

Um dos principais problemas para a disseminação desse direito é a ausência da discussão sobre ele na própria mídia (por que será?). É necessário e imprescindível um amplo, paciente e insistente trabalho de sensibilização que tem nos movimentos sociais sua base principal. É preciso que cada vez mais pessoas percebam o direito que têm e que a discussão rompa as barreiras , chegando às mesas de jantar do Brasil inteiro. Aí, sim, teremos um bom começo.


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