Quase lá: O orçamento público tem sexo?

Hildete Pereira de Melo
Faculdade de Economia/UFF

A luta das mulheres brasileiras para construir uma sociedade igualitária tem avançado muito nas últimas décadas. Das reivindicações feitas pelas feministas, internacionalmente, uma se refere a examinar a política econômica sob a perspectiva de gênero. Há vários ângulos para se discutir a política econômica: monetário, fiscal, externo, trabalho; todos comportam uma avaliação sob a perspectiva de gênero. Os gastos do governo exprimem o compromisso deste com a política social e econômica e permitem o acesso das cidadãs e cidadãos aos bens, recursos e serviços públicos.

Uma das facetas significativas dessa ação tem sido propiciar, ainda que embrionariamente, um debate sobre os gastos públicos no Brasil numa perspectiva de gênero. Muitos se perguntam: como isso é possível, lá vêm as mulheres com novidades? Internacionalmente, esta tem sido uma atividade política relevante das feministas, estimulada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), que tem apoiado iniciativas desse tipo, oferecendo cooperação técnica a governos e organizações da sociedade civil para imprimir a marca de gênero no controle orçamentário.

Os assuntos econômicos são vistos por grande parte da sociedade como áridos e sem conotação discriminatória com relação ao sexo. Salvo as questões referentes ao mercado de trabalho que explodem na nossa frente, tais como menores rendimentos ou acesso aos postos de chefia, que geram discriminação e desigualdade por gênero no mundo do trabalho, a maioria da população acredita que a política macroeconômica não tem sexo. Engano. As mulheres necessitam "se apropriarem e ter (sic) opiniões em relação aos assuntos macroeconômicos (Gina Vargas, UNIFEM, 2004)" sob pena das demandas femininas aparecerem sempre de forma marginal na arena política da sociedade.

Desta forma, no plano internacional, as feministas concluem que o orçamento tem sexo. Porque este define os gastos do Estado e a arrecadação dos impostos, e estes têm efeitos diferenciados sobre as vidas das mulheres e dos homens. Seja porque reproduzem ou mantêm inalteradas as desigualdades existentes nas relações entre os sexos, seja porque podem não gerar crescimento econômico e dessa forma, pioram as condições de vida da população. Devemos denunciar a falsa neutralidade da política fiscal e procurar interferir no debate do papel do orçamento e da sua execução.

O governo brasileiro assinou diversos tratados internacionais, em que se comprometeu com a equidade de gênero como um indicador da gestão econômica. Assim, é preciso avaliar as formas como o Estado brasileiro arrecada e gasta seus recursos, porque os avanços na condição feminina, em nosso país, aconteceram mais no campo formal do que no cotidiano das mulheres. Desta forma, a prestação de contas, de como esses recursos foram aplicados, é um instrumento eficaz para fortalecer a obrigação dos governantes de prestarem contas à sociedade. Urge implementar esse controle no Brasil. É necessário ficarmos atentas ao sistema de planejamento e orçamento da União, dos Estados e dos Municípios. É preciso criar uma sistemática de eterna vigilância da sociedade para o planejamento e a execução orçamentária em todas as instâncias governamentais.

Para as mulheres, é necessário aumentar nossa participação nos processos de tomada de decisões sobre temas e aspectos que influem em nossas vidas em um mundo globalizado. Cobrar dos governos a prestação de contas sobre os compromissos assumidos em relação aos direitos femininos. É preciso criar as bases de discussão dos orçamentos públicos em todos os níveis, de maneira que assegure a igualdade entre mulheres e homens em nossa sociedade. Desse ponto de vista, a política fiscal e o orçamento público têm sexo e devem estar comprometidos com a construção da igualdade.


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