O enfrentamento da violência contra a mulher está no Capítulo 4 do Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Nesta edição do jornal Fêmea, esse será o nosso foco, nas próximas abordaremos os demais capítulos do documento. Sobre o tema, o documento traz os objetivos de implantar uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; garantir o atendimento integral, humanizado e de qualidade às mulheres em situação de violência; reduzir os índices de violência contra a mulher; e garantir o cumprimento dos instrumentos internacionais, além de revisar a legislação brasileira de enfrentamento à violência contra a mulher.
Na justificativa do tema, são elencados dados e informações sobre a questão da violência de gênero e as ações desenvolvidas pelo atual governo; reconhece a importância da atuação do movimento feminista e de mulheres para as conquistas nesta área; e estabelece como desafio a implantação de uma "Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher que articule esferas e instâncias de poder ao mesmo tempo em que trabalhe na integração dos serviços, a partir de um mesmo marco conceitual"1.
A fundamentação deste capítulo é a mesma exposta no documento2 lançado pela SPM em 2003, diferencia-se por trazer objetivos, metas, prioridades e ações (com prazo, produto e órgão executor) e por articular os programas e ações dos demais Ministérios. Além dos quatro objetivos acima colocados, são traçadas nove metas e sete prioridades a serem desenvolvidas por meio de 31 ações.
O Plano reafirma como carro chefe da Política Nacional de enfrentamento à Violência contra a Mulher, os serviços especializados de atendimento e a sua organização em redes, que serão instituídos em todos os Estados brasileiros e Distrito Federal. Prevê a definição de normas técnicas nacionais para o funcionamento destes serviços, a realização de diagnóstico sobre os serviços de atendimento e a implantação de um sistema nacional de informações, sobre violência contra a mulher, condições fundamentais para levantamento de dados e informações que servirão de base para melhor elaboração das políticas públicas e sua implementação territorial precisa. Nesse sentido, é importante que o diagnóstico seja realizado como previsto em 2005 e que a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher nos serviços de saúde, aprovada em novembro de 2003, seja logo implantada.
Como parte das metas, há ainda a ampliação em 50% do número de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e a implantação de núcleos especializados nas delegacias existentes. A meta será alcançada por meio do incentivo à criação das mesmas, o que irá exigir da SPM uma grande articulação com os governos estaduais, tendo em vista que a instituição desses serviços é de competência dos Estados.
Para o desafio/objetivo da redução dos índices de violência não é apresentada nenhuma meta quantificada, isto é, não se mensura em quantos por cento pretende-se reduzir os índices de violência expostos na justificativa do Capítulo. Como política preventiva e educativa, estão previstas ações como campanhas e inclusão da temática de gênero; combate à violência; legislação e tratados internacionais relativos aos direitos das mulheres; nos currículos das academias de polícia e dos cursos de Direito.
Em relação à legislação nesta área, está o objetivo de revisar a legislação brasileira de enfrentamento à violência, que também é tida como prioridade. Para tanto, elenca quatro ações, sendo uma delas a articulação com o Congresso Nacional para a elaboração e aprovação de projetos de lei encaminhados pelo Executivo. É nesta ação que se encontra o projeto de lei especial sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, apresentado em dezembro de 2004. Reivindicação do movimento feminista e de mulheres, a proposta tem suscitado questionamento, uma vez que mantém a competência dos Juizados Especiais Criminais para resolução dos casos de violência contra as mulheres. A questão foi abordada na edição de novembro/dezembro de 2004 do jornal Fêmea.
Analisando as diretrizes da I CNPM para área de violência, percebe-se que o Capítulo 4 contemplou em sua grande maioria as diretrizes ali propostas. Entretanto, algumas ou não foram consideradas ou foram observadas em parte. É o caso das diretrizes de nº 102, 103 e 106.
No Plano, existe ação para capacitação dos profissionais atendentes de vítima de violência, porém ficou ausente a promoção de mecanismos de segurança, amparo legal, psicológico e jurídico para servidores públicos e profissionais que atuam diretamente com atendimento às vítimas de violência (nº 102).
A diretriz nº 103, que aponta para a promoção de políticas efetivas no combate ao turismo sexual e exploração sexual de mulheres e meninas e sua associação às redes de crime organizado, não consta em nenhuma ação específica do Plano.
Essa diretriz também menciona a necessidade de adoção de políticas para combater o tráfico de mulheres e meninas para fins de exploração sexual comercial. Neste caso, o Plano elenca duas ações, sendo que em uma delas (realização de ações de enfrentamento ao tráfico de mulheres) não explicita quais ações serão executadas. A outra ação é a realização de campanhas de enfrentamento ao tráfico de mulheres, que já vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Justiça. Aqui, o Plano poderia trazer as demais atividades do Programa Global de Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos, vinculado ao Ministério da Justiça e o Programa de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, sob coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).
O Plano também não faz menção à diretriz nº 106, que requer a federalização e a punição, na forma da lei, dos crimes praticados pelos militares contra as mulheres indígenas e ribeirinhas, principalmente em áreas de fronteiras. Mesmo considerando que o estupro, o abuso sexual, e outros crimes dessa natureza já estão previstos no Código Penal Militar e que as políticas universais podem contemplá-las, a questão mereceria atenção e uma ação específica, pois as mulheres indígenas e ribeirinhas vêm constantemente denunciando e exigindo do Estado que coíba e puna esse tipo de violência.
No tocante à execução das ações, o Plano, em seu todo, não menciona se há ou não recursos disponíveis e suficientes para sua realização. Embora tenha sido dito que as prioridades advindas da Conferência foram somadas as já definidas pelo Governo Federal, e, portanto, devem constar no PPA e na LOA 2005. Por não existir análises precisas que dêem a correta dimensão dos problemas e a ausência de um sistema já testado de indicadores de avaliação, não permite afirmar a adequação dos valores aprovados às necessidades dos problemas que essas ações se propõem a enfrentar. Responder essa questão será um trabalho que teremos pela frente.
O que podemos afirmar sobre as ações do Capítulo 4 é que fazem parte do PPA da SPM e de programas dos Ministérios da Justiça e Saúde e das Secretarias Especiais dos Direitos Humanos; e para Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Porém, uma análise da Lei Orçamentária de 2005 não nos permite identificar o montante de recursos que serão destinados à implementação das ações previstas no Plano. Por exemplo, não podemos identificar o que a SDH prevê para aplicar nas ações conjuntas com a SPM. Para fazer um monitoramento eficiente do Plano é necessário estar atent@ à questão orçamentária, e como são ações articuladas com outros órgãos, não basta acompanhar o orçamento da SPM. Temos que conseguir as informações de como cada órgão está prevendo realizar as ações conjuntas em termos de concepção e em termos de dispêndio de recursos.
Comparando o orçamento de 2004 com o de 2005, houve redução de recursos para o Programa de Prevenção e Combate à Violência contra a Mulher, como já divulgado no jornal Fêmea (nº 138/ outubro de 2004), mesmo considerando os acréscimos aprovados pelo Congresso Nacional. Tal situação nos preocupa e requer uma atuação do Executivo e do Legislativo para conseguir mais recursos, uma vez que o enfrentamento à violência contra a mulher é uma prioridade para este Governo e uma reivindicação histórica do movimento de mulheres e feminista.
Outra questão se refere aos desafios para execução das ações. Em 2004, segundo dados disponíveis no sítio eletrônico da Câmara (18/01/2005), dos R$10.759,995 destinados ao Programa acima mencionado, foram executados somente 57,65%, o quedemonstra uma execução baixa.
A nossa expectativa é que em 2005 o previsto possa ser executado em sua totalidade e de forma contínua. Nos dois anos subseqüentes, face às eleições de 2006 e à mudança de mandato (2007), é de se supor que os empecilhos à execução total do Plano sejam bem maiores, exigindo uma atuação firme dos segmentos interessados no seu cumprimento, para que não se dilua.Nos dois anos subseqüentes, face às eleições de 2006 e à mudança de governo (2007), é de se supor que os empecilhos à execução total do Plano sejam bem maiores, exigindo uma atuação firme dos segmentos interessados no seu cumprimento, para que não se dilua.
(2) Programa de Prevenção, Assistência, e Combate à Violência Contra a Mulher - Plano Nacional, Secretaria Especial de políticas para as Mulheres, Brasília 2003 (www.presidencia.gov.br).