Os movimentos de mulheres estão pautando o debate sobre a Reforma da Previdência, com um grande desafio: a inclusão social. Cinqüenta e sete por cento da população economicamente ativa está excluída do sistema. É necessário implantar políticas específicas para a incorporação de famílias que trabalham no mercado informal, com alíquota de contribuição mais baixa. Alíquotas reduzidas também deveriam ser adotadas para o emprego doméstico.
As riquezas são criadas pelos trabalhos produtivo e reprodutivo, mas só na esfera da produção o trabalho gera remuneração e outros direitos. É por isto que as feministas estão reivindicando o reco-nhecimento do tempo despendido no trabalho reprodutivo para fins de acesso ao direito de aposentadoria.
O trabalho reprodutivo é aquele realizado no âmbito doméstico, não profissionalmente, de cuidado com os filhos, atenção aos idosos, limpeza da casa, alimentação e manutenção da família. Trata-se do trabalho realizado quase que exclusivamente pelas mulheres. Quem tem um emprego ou ocupação remunerada, costuma designá-lo de dupla jornada. Nas estatísticas, em geral, as pessoas que estão integralmente dedicadas a esta tarefa são qualificadas como "inativas", uma designação que não deixa dúvidas sobre o grau de invisibilidade e desvalorização do trabalho reprodutivo.
Graça Ohana, coordenadora técnica da pesquisa de emprego e desemprego do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) analisa a situação das trabalhadoras.
CFEMEA - O que é possível ser dito em relação às trabalhadoras presentes no mercado informal?
Graça Ohana - No Distrito Federal, as mulheres ocupadas em trabalhos vulneráveis representavam 37,3% da população ocupada, em 2002. Esse percentual é um dos mais baixos nas regiões pesquisadas pela PED, mas não quer dizer que o mercado de trabalho é melhor nesta região do país. A questão é que o setor público ainda absorve grande parte das trabalhadoras por meio dos concursos.
Quanto aos números absolutos, em 2002, o número de mulheres sem carteira de trabalho assinada, no setor privado, era 26.300. Ainda em 2002, as empregadas domésticas corres-pondiam a 75.800 no DF. É importante ressaltar que, mesmo com carteira assinada, a empregada doméstica possui um emprego vulnerável devido à fragilidade de sua inserção no mercado de trabalho.
CFEMEA - Em nível nacional, como o DIEESE avalia o emprego informal?
Graça Ohana - Nos últimos 10 anos, o que se percebe é que mais da metade dos empregos criados foram informais. Nessa informalidade, há mais negros do que não-negros. Se você analisa o desemprego ou o universo das empregadas domésticas verá que há mais negros do que não-negros. O que indica que a população negra é maioria no trabalho informal e que também é predominante entre os excluídos.
A situação atual também mostra que o Brasil não foi capaz de gerar empregos que dão alguma proteção ao trabalhador, pois estar na informalidade significa que ele não contribui para a Previdência, que o patrão propõe pagar mais para não ter de assinar a carteira de trabalho. A contribuição para a Previdência é negada na origem do emprego.
CFEMEA - Qual seria o caminho, no contexto da Reforma da Previdência?
Graça Ohana - Não é possível, nesse momento, erradicar o trabalho informal. Com taxas de desemprego altas, quem tem um emprego precário está em melhor situação do que o desempregado. O caminho seria criar empregos formais, reduzindo-se, a médio prazo, os empregos precários. Uma outra saída seria fazer com que todos os que estão na informalidade tenham acesso aos benefícios pre-videnciários.
CFEMEA - O movimento feminista e de mulheres propõe o reconhe-cimento da importância do trabalho realizado pelas donas-de-casa. Qual a viabilidade dessa proposta?
Graça Ohana - Para termos idéia do número de mulheres que seriam beneficiadas, vamos ver o exemplo do Distrito Federal. Em 2002, havia 118.500 donas-de-casa. Dentre elas, a metade, 59.200, possuía 40 anos de idade ou mais. Esse quadro praticamente se repete nas regiões pesquisadas pela PED.
Entretanto, para a aprovação de uma proposta como essa, é preciso convencer as pessoas de que o trabalho doméstico feito pela mulher é essencial para os que fazem trabalho produtivo, do ponto de vista da economia.
Se essas mulheres não ficassem em casa, permitindo que os homens pudessem trabalhar, que os filhos na idade produtiva pudessem também trabalhar, eles certamente cumpririam seus compromissos com muito mais dificuldade.
Esse é um trabalho que não tem valor econômico porque os economistas não o consideram como trabalho produtivo. Por isso as pessoas nessa situação são consideradas inativas. Do ponto de vista das mulheres, nós precisamos mostrar o que é esta "inatividade". Como podemos chamar de inativa uma pessoa que cuida das demandas da família durante 16 horas ou mais, por dia, enquanto todos estão fora de casa?