Quase lá: Isto não se diz? Isto não se faz? Nisto não se mexe?

Silvia Pimentel
Coordenadora Nacional do CLADEM Brasil - Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, professora doutora em filosofia do direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diretora do Instituo para Promoção da Equidade (IPÊ), membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução

A temática dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos é a área mais espinhosa e difícil, na qual confrontamo-nos com conservadorismos e fundamentalismos que obstaculizam um debate democrático, condição para o avanço da cidadania. A grande conquista civilizatória ocidental - o Estado laico e republicano - de forma insidiosa e mascarada tem sido conspurcada pela atuação de grupos e facções religiosas, que obstaculizam e por vezes impedem avanços libertários, reforçando uma normatividade repressora e desrespeitadora dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos de homens e mulheres, com o objetivo de manter o antigo modelo de família patriarcal.

É a partir de experiências concretas que explicitam a subalternidade/desigualdade da vivência social das mulheres que temos buscado interferir na dimensão macro do poder: sua dimensão jurídica e de políticas públicas. A partir destas experiências e vivências que temos buscado ampliar a cidadania e os direitos humanos das mulheres.

A proposta de uma Campanha por uma Convenção Interamericana dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos foi inicialmente idealizada pelo CLADEM e, ora impulsionada e coordenada junta-mente com significativas entidades parceiras do movimento de mulheres latino-americano e caribenho, tendo como objetivo a construção de um marco jurídico interamericano de proteção e promoção dos direitos das mulheres no que se refere à área de sua sexualidade e reprodução.

Reconhecendo a relevância da dimensão internacional de instrumentos jurídicos garantidores e implementadores de direitos e liberdades fundamentais; reconhe-cendo as dificuldades e tensões da normativa internacional com a normativa nacional, não apenas em termos jurídico-político-formais, mas em termos de normas e instituições reproduzidas no imaginário social e nas práticas reais e efetivas é que esta Convenção está sendo proposta.

Em termos sucintos uma Convenção é importante:

  • Porque os tratados internacionais de direitos humanos influenciam no desenvolvimento de marcos norma-tivos nacionais.
  • Porque alimentam de argu-mentos favoráveis a defesa política e jurídica de nossos direitos em cada um de nossos países.
  • Porque o cumprimento das Convenções é obrigatório e estabelece mecanismos de verificação, vigilância e resolução de conflitos em instâncias internacionais.
  • Porque somos cidadãs e cidadãos, e queremos proteger o exercício de nossa sexualidade e dos nossos direitos reprodutivos.
  • Porque queremos falar, escutar, debater, questionar mitos e preconceitos, renovar as idéias, abrir janelas e corações.

Há uma preocupação por parte de alguns no sentido de que uma Convenção dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos poderia "engessar" liberdades mediante regulações. Esclareça-se que o que se busca é precisamente o contrário. Deve ser destacada, para tanto, a diferença fundamental entre a perspectiva tradicional do direito e a perspectiva transformadora que compreende o direito como instrumento de mudança, estabe-lecendo princípios de respeito à autonomia e à auto-determinação de homens e mulheres. É esta a perspectiva de um direito libertário que embasa nossa proposta.

De fato, importa debater com profundidade os fundamentos político-jurídicos desta proposta de uma Convenção dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Não se trata de buscar, apressuradamente, um consenso que permita a curto prazo sua elaboração. Trata-se de uma proposta a realizar-se a médio e longo prazo. O processo de construção conjunta, em meu entendimento, será tão ou quase tão importante quanto o produto.

Em suma, como oposição a um direito repressor e castrador de nossas potencialidades, muito especialmente na área de sexualidade e reprodução - já positivados e vigentes em nossos países - visamos a construir uma normativa libertária que nos permita expressar nossa sexualidade e decidir livremente sobre nossa reprodução, tendo como limite, única e exclusivamente, o respeito pelo outro, expresso atualmente em grande parte de nossas constituições enquanto "direitos e garantias fundamentais".

Importa que os Direitos Sexuais e Reprodutivos recebam cada vez mais espaço no discurso político e jurídico. Só assim terão condições de formalmente serem expressos enquanto direitos sexuais e repro-dutivos, de forma vinculante e obrigatória. Só assim terão condições de serem experenciados, vividos com liberdade, igualdade, dignidade.

Para outras informações, acesse www.convencion.org.uy.


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