Quase lá: Entrevista com Francisco Menezes

A alimentação de qualidade é um direito de tod@ cidadã/o, sendo dever do Estado criar meios para que a população brasileira possa ter esta condição. Atualmente, existem no Brasil 9,3 milhões de famílias (ou 44 milhões de pessoas) muito pobres, que ganham menos de um dólar por dia ou cerca de R$ 80,00 por mês.

O projeto Fome Zero, apresentado pelo presidente eleito, Lula da Silva, possui como eixo principal a associação da segurança alimentar a estratégias permanentes de desenvolvimento econômico e social, com crescente eqüidade e inclusão social.

Francisco Menezes, diretor de Programas do Ibase e coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, analisa as propostas desse projeto.

CFEMEA - Que avaliação o senhor faz a respeito das propostas que estão sendo apresentadas para a erradicação da fome, no Brasil?

Francisco Menezes - O Projeto Fome Zero traz um conjunto apreciável de propostas, embora a atenção da mídia tenha ficado muito concentrada na questão dos cupons da alimentação.

Parte dessas propostas têm um caráter mais estrutural, ou seja, de mudanças no modelo de desenvolvimento que possibilitem aumento da renda e diminuição das desigualdades. Incluem-se entre elas as que têm impacto na geração de emprego, a intensificação da reforma agrária, o aprofundamento dos programas de geração de bolsa escola e renda mínima e de incentivo à agricultura familiar.

Existem, também, as propostas mais emergenciais, já que não se pode esperar os resultados das transformações mais estruturais, porque isto poderia comprometer gerações inteiras, hoje sacrificadas pela fome e desnutrição.

O importante é que esses programas sempre tragam iniciativas de promoção da cidadania e criem espaços para que a sociedade se organize, para que possa exercer seu controle social sobre estes programas.

CFEMEA - Qual a importância da criação de uma Secretaria voltada para o combate à fome?

Francisco Menezes - Esta Secretaria tem uma importância particular, pois ela não está submetida a nenhum Ministério. Se estivesse vinculada a um Ministério, o combate à fome seria do interesse apenas daquele Ministério. Dessa forma, como está definida, será prioridade de todos. Além do mais, está diretamente vinculada à Presidência da República, o que deixa explícita a prioridade que está sendo dada ao compromisso do Presidente, de erradicação da fome.

CFEMEA - A questão alimentar e nutricional possui um caráter intersetorial. Que outras características devem ter as ações referentes ao enfrentamento da fome?

Francisco Menezes - O enfrentamento da fome não pode assumir um caráter assistencialista. Para isto, é preciso que a questão da alimentação seja tratada como um direito humano fundamental. Os programas aplicados não podem ser apresentados como filantropia ou qualquer coisa que se aproxime desse significado. Práticas dessa natureza geram apenas dependência e imobilidade. É fundamental que, junto a cada programa - seja o Cupom da Alimentação, a Renda Mínima ou outra forma de repasse que se converta em alimento - estejam vinculadas medidas de promoção da cidadania.

As famílias atendidas oferecerão como contrapartida todos seus filhos na escola, em dia com as vacinas e mesmo os chefes de família deverão se comprometer a dar alguma contrapartida para toda a comunidade.

CFEMEA - Segundo o relatório sobre a situação mundial, divulgado pela ONU, o número de mulheres que vivem na pobreza é superior ao de homens. Em que medida o projeto Fome Zero aborda a questão de gênero em suas ações?

Francisco Menezes - É insuficiente a abordagem do projeto Fome Zero à questão de gênero e segurança alimentar. Espera-se que uma das consequências da prioridade assumida pelo novo governo seja dispensar especial atenção a esta questão. Na sociedade atual, define-se que a alimentação da família é uma atribuição das mulheres. Mas isto aparece apenas como sobrecarga. Sobrecarga da jornada de trabalho, sobrecarga da responsabilidade com a família.

Deve ser reconhecido o papel fundamental que a mulher exerce no zelo a uma alimentação suficiente e saudável e na preservação da cultura alimentar. Isto deve se refletir na presença da mulher nas instâncias de decisão das políticas vinculadas à segurança alimentar.

CFEMEA - De que maneira os debates sobre o Projeto Fome Zero estão destruindo mitos, referentes ao assunto?

Francisco Menezes - O mito principal que o Projeto Fome Zero poderá destruir é de que a fome é uma predestinação de nossa sociedade, a qual não podemos escapar. Se bem sucedido, o Projeto estará provando que a fome e outras tantas mazelas a que o povo brasileiro está submetido são obra da dominação e exploração propiciada por um modelo de desenvolvimento injusto e excludente. E que é possível superá-lo.


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