Plebiscito só será realizado se os plenários da Câmara e do Senado aprovarem o pedido.
Por Sara Resende — Brasília
Senadores de oposição apresentaram nesta terça-feira (26) uma proposta para que um plebiscito -- consulta à população por meio do voto -- sobre aborto seja feito no Brasil. O plebiscito, porém, só será realizado se os plenários da Câmara e do Senado aprovarem o pedido.
Na sexta-feira (22), o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação que tenta descriminalizar o aborto feito por mulheres com até 12 semanas de gestação. A única ministra a votar até agora, a presidente da corte, Rosa Weber, foi a favor.
Os parlamentares propõem que o eleitor responda "sim" ou "não" à pergunta "Você é a favor da legalização do crime de aborto?".
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), avalia que, se o Congresso não debater o tema, estará "dando poder" ao STF.
Rosa Weber vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação
Pesquisa sobre o aborto
Dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostram que uma em cada sete mulheres com idade próxima de 40 anos já realizou pelo menos um aborto, sendo que 43% delas tiveram que ser hospitalizadas para finalizar o procedimento.
Ainda de acordo com a pesquisa, 52% das mulheres que participaram do levantamento afirmaram ter feito um aborto antes dos 19 anos. Do total, 74% eram mulheres negras.
Atualmente, o Código Penal pune, com até três anos de detenção, a gestante que opta pelo aborto. Para quem realiza o procedimento na gestante, com consentimento dela, a pena é de um a quatro anos de reclusão, o que admite início do cumprimento em regime fechado.
O aborto voluntário é crime, independente do tempo de gestação. As exceções são quando a mãe corre risco de morte, em caso de estupro e anencefalia do feto.
A oposição argumenta, no pedido de plebiscito, que respeita a regra atual. "Logicamente, por defendermos o Estado de Direito, respeitamos as hipóteses previstas no Código Penal que excepcionam o crime, quais sejam, quando a mãe corre risco de morte e em caso de estupro", diz a proposta apresentada por Rogério Marinho.
Para Jolúzia Batista, representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a pergunta sugerida pelos parlamentares para o plebiscito é "tendenciosa" e o pedido de consulta popular "uma reação tácita muito nítida à tramitação da ação no STF e voto positivo da Rosa Weber".
"No Brasil, recrudesce gravidez infantil, estou falando de meninas de 10 anos de idade, grávidas em situação de violação sexual dentro de seus lares. É sobre isso que devemos falar, sobre o alto índice de mortalidade materna entre mulheres negras, de periferias que não têm acesso a método anticoncepcional e, portanto, recorrem a procedimentos clandestinos. Sem contar toda a negação de planejamento familiar. Esse debate é muito mais amplo e diz respeito ao acesso à saúde, a planejamento reprodutivo. É sobre isso que o plebiscito devia tratar e não partir de uma pergunta altamente criminalizadora", avaliou Jolúzia.
Reação ao STF
A ala conservadora do Senado tem reagido contra julgamentos em curso no tribunal. Apesar de o STF ter julgado inconstitucional a tese de um marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil, o relator do tema na Casa, Marcos Rogério (PL-RO), confirmou que o projeto será votado nesta quarta-feira (27) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O texto prevê que os povos indígenas só terão direito à demarcação de terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.
Outro assunto discutido na Casa diz respeito às drogas, já que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou proposta para mudar a Constituição e incluir no texto que a posse e o porte de qualquer droga serão considerados crimes. O placar no STF está cinco a um para que o porte de maconha, em pequena quantidade e para uso pessoal, deixe de ser crime. Um pedido de vista (mais tempo para análise do caso) foi apresentado pelo ministro André Mendonça no fim de agosto, o que interrompeu o julgamento.
Um exemplo de consulta pública já realizada no Brasil foi o referendo sobre o Estatuto do Desarmamento, que ocorreu em outubro de 2005. Na ocasião, a população votou contra artigo da lei que proibia o comércio de armas de fogo e munição no país.
No caso do referendo, a população é chamada a dar opinião sobre uma lei já em vigor, enquanto, no caso do plebiscito, a consulta à população é sobre uma possibilidade futura, que ainda não virou regra.