Como informamos no Radar Feminista desta semana, a deputada Caroline de Toni (PSL/SC) apresentou semana passada o PL 4213/2020, para alterar a Lei de Cotas (Lei nº 9.504/97). Sua proposta é extinguir a reserva mínima de 30% das vagas para mulheres nas candidaturas para mandatos eletivos preenchidos pelo sistema proporcional.
Não é a primeira vez que uma deputada apresenta um projeto dessa natureza e isso é fruto da falta de compromisso de parte da Bancada Feminina com a ampliação da presença das mulheres no Parlamento. Embora argumentem que as propostas podem resolver o problema das candidaturas “laranjas” – candidaturas de fachada usadas para fortalecer candidatos prioritários –, elas desconsideram como os partidos perpetuam as discriminações de gênero nas suas instâncias e decisões internas.
A Lei de Cotas é uma conquista dos movimentos de mulheres que obriga os partidos a estabeleceram novos parâmetros para a escolha das candidaturas e assim aumentar a representatividade feminina de modo geral.
Pela proposta da deputada Caroline de Toni, o § 3º do Art. 10 da referida Lei, que afirma que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo” passa a ter a seguinte redação: “cada partido poderá definir livremente o percentual de candidaturas que será reservada para cada sexo”. O PL foi apresentado no dia 14 de agosto de 2020 e sua tramitação pode demorar, além de não interferir nas eleições deste ano.
Na justificativa do projeto a autora afirma que “Para além de toda carga ideológica que cerca o tema igualdade de gênero, o fato é que, estritamente do ponto de vista prático, desde que essa famigerada cota foi inserida na legislação eleitoral pela Lei nº 12.034/2009, os partidos políticos têm enfrentado uma série de problemas com aplicação da referida norma”. E continua: “Conquanto seja louvável o incentivo à participação feminina na política, é inegável que infelizmente apenas uma parcela muito pequena das mulheres de fato, se interessa por desenvolver atividade político-partidária. (...) Nesse contexto, para cumprir a cota prevista em lei, muitos partidos políticos acabam tendo que praticamente implorar para que pessoas do sexo feminino aceitem se candidatar a uma vaga no Poder Legislativo”. (Grifos nossos)
E como saída para tudo que identificou ela afirma, também na justificativa: “Para dar uma resposta a essa problemática, o presente Projeto surge para extinguir a cota de gênero”. Como uma grande vantagem, aponta para o fato da proposta não alterar os demais dispositivos que estimulam a candidatura feminina, a exemplo do que prevê a propaganda institucional do TSE e a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), de destinar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário às campanhas de candidatas do sexo feminino.
“Carga ideológica que cerca o tema da igualdade de gênero”? “Famigerada cota”? “mulheres não se interessam por atividades político-partidárias”? Coitados dos partidos que enfrentam problemas com as cotas?
A deputada não questiona o baixíssimo investimento da maioria dos partidos na formação e capacitação de mulheres e no apoio a suas candidaturas, a deputada não questiona a desigualdade na ocupação dos espaços de poder, a deputada não questiona o sistema político brasileiro, pouco permeável às mulheres, negras e negros.
É triste e preocupante que a proposta da extinção da política de cotas eleitorais tenha sido apresentada formalmente na Câmara, e ainda por cima, por uma mulher que, por sua própria condição, deveria defender o princípio da igualdade entre mulheres e homens. E, para registro, a lei de cotas não foi inserida por primeira vez na Lei nº 12.034/2009 como afirma a deputada, mas sim na Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995, que assegurou que no mínimo vinte por cento das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres (Art. 10, § 3º).
Os absurdos não param aí
Mas as propostas absurdas não param por aí, Carla Zambelli, por coincidência outra deputada do PSL, eleita por São Paulo, apresentou o PL 4159/2020, que “equipara o tratamento jurídico dispensado aos regimes totalitários nacional-socialistas (nazistas) e comunistas em território nacional, vedando sua apologia e propaganda”. Comparar comunismo a nazismo, adversários históricos, é mais uma vez deturpar a história para tentar criminalizar uma parte da oposição.
No ano passado, nos mobilizamos contra um outro Projeto de Lei que também representava um retrocesso na legislação sobre as candidaturas femininas nas eleições e era de autoria de uma mulher. O PL 2.996/2019, da Deputada Renata Abreu (PODEMOS/SP), acabava com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das vagas por mulheres. Segundo a justificativa da deputada, não seria “razoável supor que exista discriminação de gênero com aptidão para impedir candidaturas femininas ou para demandar medidas extremas”.
Seu argumento é de que a reserva de vagas continuaria existindo, mas sem necessidade de efetivamente preenchê-las. Esse era o antigo entendimento da Lei de Cotas femininas e acarretou seu descumprimento sistemático. Só em 2009, com Lei nº 12.034, é que os partidos passaram a ser obrigados a cumprir o percentual de 30% e reservar parte do fundo partidário e do tempo de TV.
No Senado, também no ano passado, foi rejeitado o PL 1256/2019, mais um que pretendia acabar com o sistema de cotas. Na justificativa do projeto o autor da proposta, Senador Angelo Coronel (PSD/BA), se refere às cotas como uma “penalização” aos partidos pois “a lógica imposta faz com que para cada mulher que deixa de se candidatar, os partidos podem perder a possibilidade de lançar de dois a três candidatos homens”. E ainda tem a desfaçatez de afirmar, no parágrafo final de sua justificativa, que “o projeto presta uma homenagem a igualdade”.
Propostas desse tipo perpetuam uma lógica cruel que mantém baixa a representação das mulheres no parlamento, privilegiando as que têm dinheiro para campanhas e contam com o apoio dos partidos – o que não é a realidade da maior parte das mulheres. Os movimentos de mulheres e feministas junto com as deputadas (e deputados) comprometidas com os direitos das mulheres estão organizadas contra esses e outros retrocessos.