Dr. Rosinha
Médico pediatra e sanitarista e exerce o mandato de deputado federal pelo PT-RS
No mundo são 34 milhões de enfermos de AIDS, sendo que 24 milhões deles vivem na África subsahariana. No Brasil, o número de casos de AIDS é de 215.810 pessoas (até junho de 2001) e há 597 mil portadores do vírus HIV. É um montante assustador e preocupante, pois além da doença vêm as conseqüências sociais mais dramáticas: os órfãos. Só na África, onde está a maior parte dos aidéticos, são 12,5 milhões de órfãos (no Brasil, cerca de 30 mil), muitos deles de pai e mãe. Grande parte destes aidéticos são vítimas de tabus, ignorância, modelos econômicos - de exclusão - e no caso das mulheres, também, do machismo.
Os tabus e a ignorância levam a pouco debate sobre o tema e a culpabilidade da situação. Nos casos das doenças epidêmicas, são quase sempre culpados um povo, uma raça, uma religião, um sexo (quase sempre feminino) ou algum comportamento, sempre vindos de fora. Por exemplo, antes que se pensasse na sua origem africana, os EUA exigiram a prova de HIV para dar visto de entrada aos haitianos. Posteriormente, os culpados foram os africanos e os homossexuais.
Feitas essas observações, podemos afirmar que a AIDS é considerada uma doença ‘democrática’, pois não escolhe ou predispõe determinada classe social. Por isso, tem tido mais atenção no mundo. Tanto é que, para este ano, o Banco Mundial destinou US$ 1 bilhão para 99 projetos ligados à doença. Esses projetos, porém, não atendem democraticamente a população mundial, pois os moradores dos países pobres, mais atingidos pela doença, não têm acesso ao atendimento médico/farmacêutico. Basta verificar a expectativa de vida de um africano, depois de identificada a doença, em relação à de um americano ou europeu, ou também comparar dentro de um mesmo país a expectativa de vida de um trabalhador com um indivíduo da elite local.
Passados 20 anos da descoberta do vírus da AIDS, a falta de conhecimentos continua sendo o principal obstáculo ao combate à epidemia. Segundo a ONU, cerca de 25% das pessoas nos países em desenvolvimento acham que a AIDS não é fatal e até um terço das mulheres não conhece meios para se prevenir da doença. Segundo esses estudos, a proporção de mulheres que usam preservativos é muito baixa (1% na África, 3% na Ásia e 4% na América Latina). Além de se exporem, colocam em risco a gestação e o recém-nascido (a probabilidade de uma mulher grávida contaminada por HIV dar a luz uma criança também com HIV varia de 25% a 30%)1.
No estudo feito pela FUNASA intitulado "Situação da Prevenção e Controle das Doenças Transmissíveis no Brasil - maio de 2002", a AIDS apresentou de 1980 (quando identificado o primeiro caso) a 1997, um crescimento acelerado (incidência de 14,8 casos/100.000). De 1997 para cá, tem apresentado uma diminuição na velocidade de crescimento da epidemia (incidência). E, no período de 1995 a 1999, também apresentou uma redução de 50% na letalidade. Enquanto o número de casos de AIDS estaciona ou diminui em alguns segmentos da população, cresce entre as mulheres, sendo as casadas as principais vítimas.
Para enfrentar a expansão desta epidemia, atingindo mais as mulheres, é necessária ação diversa, ou de maior amplitude, em relação às que vêm sendo desenvolvidas até agora. Por exemplo: romper o tabu e a ignorância, trazendo a AIDS do campo da esfera privada, das ‘doenças vergonhosas e preconceituosas’, daquelas sobre as quais não se fala, para o debate público. É preciso desenvolver ações educativas e culturais nas escolas e nos meios de comunicação para crianças e adolescentes. Também é fundamental criar serviços específicos de atendimento à mulher com prioridade às populações de maior vulnerabilidade, como as trabalhadoras do sexo, as usuárias de droga e aquelas excluídas das informações e vitimizadas pelo machismo.
Na sociedade ‘globalizada’ e pós-moderna, está sendo gerada uma nova ética e uma nova moral com questionamentos críticos a velhos valores e conceitos. No bojo dessa transição aparece um novo valor, merecido ou não, do individualismo e sua liberdade (de atuar no mercado). Esses "novos indivíduos são e estão mais abandonados que livres. O que, por outra parte, os convertem em presas fáceis de qualquer coisa que pareça cobrir suas necessidades imediatas".2
Para desenvolver programas e ações que enfrentem esse período histórico é necessário um Estado responsável, que garanta os direitos de cidadania (com solidariedade), onde o valor seja da vida e não o individualismo, o mercado e o consumo. Não é possível, e até contraditório, fazer do atendimento à saúde - como quer o FMI, o Banco Mundial e FHC - um espaço meramente individual e de disputa de mercado (quanto mais doença, mais lucro), e não de direito das pessoas.
(1) Caio Rosenthal e Mário Scheffer, "Sobre direitos e deveres", Folha de São Paulo, 01/12/2000.
(2) Dany-Robert Dufour, "Transformación del sujeto en las democracias de mercado", Le Monde diplomatique, edição espanhola de fevereiro de 2001.