Quase lá: O Debate Sobre Clonagem no Legislativo Brasileiro

Debora Diniz
Antropóloga, Diretora da Organização Não-Governamental Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Participou como expositora no Seminário na mesa sobre ética

A clonagem humana foi tema de discussão no Senado Federal nos dias 11 e 12 de junho. A Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão de Assuntos Sociais organizaram o primeiro seminário temático sobre clonagem, Seminário Sobre Clonagem Humana, com o objetivo de cooperar com o debate legislativo sobre o tema. Foram convidados cientistas, religiosos, juristas, feministas, representantes de movimentos sociais de pessoas portadoras de deficiência e estudiosos da ética para discutir qual deve ser a posição legislativa brasileira frente à clonagem terapêutica e reprodutiva de humanos.

O tema da clonagem não é novo. Clonam-se animais não-humanos desde os anos 30, muito embora a popularização midiática da técnica somente tenha ocorrido em finais da década de 70. Foi nesse período que se discutiu pela primeira vez os benefícios e riscos da técnica da clonagem em humanos. O filme Os Meninos do Brasil, resultado da obra homônima de Ira Levin, é um exemplo do que se produziu nessa fase de assombro frente às possibilidades anunciadas pela ciência. Ainda hoje considerada uma referência obrigatória aos debates sobre clonagem humana reprodutiva, o filme é um exemplo paradigmático de como o debate sobre a possibilidade da clonagem humana reprodutiva vem se constituindo. Transfere-se para o tema da clonagem o que há de pior na criatividade humana: pulsões egoísticas, práticas opressivas e eugênicas, estruturas totalitaristas são alguns dos valores continuamente atrelados à discussão sobre clonagem humana. Como era de se esperar, o Seminário Sobre Clonagem Humana também partiu de algumas dessas premissas.

Os cientistas foram os primeiros a expor e os representantes da ética os que encerraram o seminário. Segundo os organizadores do evento, essa divisão disciplinar das discussões foi intencional. Por ser um seminário de instrução, a idéia era informar parlamentares e público em geral sobre as possibilidades técnicas, as interpretações jurídicas e as reflexões éticas possíveis em torno da clonagem humana. Grande parte dos expositores defendeu as vantagens da clonagem terapêutica para a medicina regenerativa, para o tratamento de doenças, hoje consideradas incuráveis, como Mal de Alzheimer ou Parkinson, um argumento que se viu reforçado pelos depoimentos emocionados de familiares de pessoas portadoras de doenças genéticas. O princípio da legitimidade legal da clonagem terapêutica foi defendido por quase todos os expositores, fossem eles cientistas ou religiosos. Alguns consideraram até a possibilidade de consenso neste campo: a clonagem humana terapêutica deve ser permitida no Brasil, ao passo que a clonagem humana reprodutiva deve ser banida. As restrições à clonagem terapêutica foram feitas em nome do uso de embriões humanos para as pesquisas ou pelo risco de aborto, dois temas considerados tabu durante o Seminário, havendo uma oscilação permanente entre sua anunciação e silenciamento.

Se, por um lado, o Seminário foi um belo exercício democrático, em especial pela discussão travada pelos representantes religiosos, onde católicos, judeus, umbandistas e espíritas sentaram-se em pé de igualdade para trocar seus princípios e dogmas, por outro lado, foi também um pedido de aval científico, ético, jurídico para a aprovação da clonagem terapêutica, tendo sido praticamente ignorado o tema da clonagem reprodutiva. Talvez esta tenha sido uma estratégia política dos expositores, uma forma pedagógica de introduzir um tema tão repleto de fantasias e incompreensões. Nesse sentido, o resultado final do Seminário foi o de demonstrar a urgência do debate legislativo sobre clonagem humana, provocando nossos limites morais sobre um tema inquietante no campo da reprodução, muito embora as reflexões em todos os campos disciplinares sejam ainda incipientes.


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