Dra. Alejandra Rotania
Coordenadora Executiva do Ser Mulher - Centro de Estudos e Ação da Mulher,NF/RJ
Profa. Visitante do Departamento Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery-UFRJ
Profa. de Bioética - Faculdade de Medicina da Universidade Estácio de Sá
Membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas - CONEP/CNS
Membro da Comissão Nacional de Uso e Acesso ao Genoma Humano - DECIT/SPS/MS
O tema está em pauta no Brasil e no mundo. A expressão da escala de riscos imprevisíveis e o fenômeno da globalização transforma qualquer evento que faz parte do chamado "avanço" tecno-científico em um assunto de responsabilidade para toda a Humanidade. A perspectiva de clonagem de seres humanos como possibilidades reprodutiva e terapêutica coloca em pauta as relações entre a ciência, a tecnologia, a ética e as escolhas políticas. Este progresso encontra-se, hoje indissociavelmente ligado ao desenvolvimento econômico e, sendo assim, a perspectiva dos riscos tecnológicos aumenta e se amplia e, com ela, a carga de res-ponsabilidade política e social e os esforços de regulamentação.
Neste âmbito temático, a situação internacional oferece um variado panorama de tentativas de regulamentação e legislação e diversas declarações (Unesco, Helsinque, Marbella, entre outras). Recentemente, tem sido noticiada a posição dos EUA proibindo a clonagem reprodutiva e terapêutica.
Em âmbito nacional, a Constituição Federal, os Códigos Civil e Penal apontam questões e subsidiam princípios de regulamentação. Nos dias 11 e 12 de junho, o Senado realizou um seminário para discutir com políticos, médicos, cientistas e religiosos a questão da clonagem humana. Foi uma realização conjunta das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Sociais (CAS). Tramitam no Congresso Nacional mais de 64 projetos de lei sobre a questão da clonagem humana. A Comissão Nacional de Uso e Acesso ao Genoma Humano, do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, tendo em vista suas atribuições segundo Portaria Ministerial nº 470, de 6 de abril de 2001, conta na sua pauta de discussão, com análise e proposições do dito tema. Encontra-se em curso discussão sobre a Instrução Normativa 8 (11/07/97) da CTNBIO e da Lei de Biossegurança 8.974/95 que dispõe sobre a manipulação genética e sobre a clonagem em seres humanos. Há normas esparsas, legislação específica e indagações relevantes sobre quais são as áreas de competência no processo de regulamentação.
Há, sem dúvida, uma necessidade crescente de normatização ética e jurídica da biotecnologia. Esta é uma tendência mundial. O apelo ao Direito e à legislação é forte e os argumentos favoráveis ou contrários aos eventos repousam sobre variadas concepções filosóficas, religiosas, morais, econômicas, sociais e políticas.
A título de ilustração, as questões relativas à biotecnologia e os problemas morais que dela decorrem levaram, já em 1988, o Conselho de Estado, suprema instituição jurídica e administrativa francesa, à elaboração de um relatório sobre o estatuto do corpo humano que continha um número de proposições precisas de legislação que, anos depois, foram adotadas sob a forma de leis (1996). Transcorreram cinco anos de debates com o conjunto da sociedade civil até as proposições adquirirem estatuto de lei. Este é um aspecto fundamental a destacar. Entre a ciência e a lei, é preciso dar lugar à ética e ao debate democrático ampliado com a sociedade civil. A Lei restringe, pormenoriza, veda e sanciona. Cabe estabelecer o marco legal e penal no caso da clonagem, que pode ser entendida como um crime contra a Humanidade e sua proibição e sanção devem ser nacionais e globais. Quem seria capaz de considerar indesejável a legislação e a norma jurídica relativas à clonagem de seres humanos, à chamada Reprodução Assistida e suas fronteiras diluídas com a Genética e a manipulação genética hereditária no contexto de uma civilização que, reconhecida por sua perversidade e antropofagia, têm conseguido fortalecer a luta pelos direitos humanos universais?
Contudo, é preciso enfatizar que os dilemas e desafios éticos contemporâneos não serão resolvidos pela lei em si se não incorporarem-se à pauta das reflexões morais e da ação social e política democrática. A lei e a norma jurídica não podem esvaziar a ética da sua possibilidade permanente de indagação e problematização do paradoxo da condição humana.