Quase lá: Povos Indígenas e a 3a. Conferência contra o Racismo

Azelene Kaingáng (Povo Indígena Kaingáng-RS)
Socióloga, membro do Comitê Nacional por indicação do Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil - CAPOIB

Os representantes dos Povos Indígenas do Brasil que participaram da 3a Conferência Mundial contra o Racismo tiveram, necessariamente, que considerar os processos históricos de violência que resultaram em perdas territoriais, culturais e físicas sofridas pelo nosso povo. Em Durban, na África do Sul, o grupo reivindicou o reconhecimento dos governos da dívida existente para com os indígenas. Reivindicaram, portanto, o compromisso de buscar-se medidas que visem a imediata adoção de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, formas de produção que considerem e respeitem os sistemas tradicionais, proteção dos conhecimentos tradicionais e Patrimônio genético. Também consideraram necessária a implantação de ações afirmativas e compensatórias que reflitam minimamente o compromisso e a disposição das autoridades governamentais em redefinir a política indigenista oficial que, por sermos diferentes nos chamou de incapazes.

A Constituição de 1988 determinou um prazo de cinco anos para que fossem demarcados todos os territórios indígenas do país. Treze anos depois, o que vemos são bancadas inteiras se articulando para propor a diminuição de terras indígenas, como acontece, por exemplo, no Estado de Roraima, onde fica a terra indígena Raposa Serra do Sol. A região é hoje motivo de mobilização indígena nacional pela demarcação da mesma e, assim, inúmeras outras terras são constantemente invadidas. Outro agravante é o irrisório orçamento que o governo reserva para a demarcação, fiscalização, proteção e extrusão de terras indígenas. Esta foi a grande reivindicação para a 3a Conferência Mundial contra o Racismo, pois a posição do Governo Brasileiro tem sido de descaso para com nossos povos. Além disso, temos um órgão indigenista (FUNAI), com uma estrutura ultrapassada, incapaz de pensar e propor políticas modernas e eficientes que objetivem repensar a relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas. Relação esta que, necessariamente, deve passar pelo reconhecimento e o respeito à diferença, mas sem diferença nos direitos. Portanto, queremos um índio presidindo o Órgão federal Indigenista.

Quando, pela primeira vez, paramos para falar de racismo e discriminação racial, não sabíamos muito bem como conduzir. Como povos que historicamente sofreram todas as formas possíveis de discriminação racial e os efeitos devastadores dessa ideologia, nunca havíamos reservado um momento exclusivamente para tais questionamentos. Ao contrário, seguimos nossas lutas, passamos por massacres de governos, de igrejas, de fazendeiros, de exércitos etc. Em determinadas regiões, povos inteiros desapareceram fisicamente. Em outros, desapareceram culturas inteiras.

Em pleno século 21, o Governo Brasileiro nos tutela por nos considerar incapazes, e não por sermos diferentes. O próprio órgão indigenista do Governo (FUNAI), diz que essa relação de tutela é a ideal para “proteger” os povos indígenas. Proteção essa que para nós não passa de um preconceito e uma das formas mais perversas de discriminação racial, porque ela sempre significoua substituição das nossas vontades. Ainda hoje sentimos dificuldades em estar participando dos mais diversos fóruns nacionais e internacionais para defender nossos direitos, porque vários seguimentos da sociedade não-índia consideram-se mais legítimos para nos representar e decidir nossos destinos.

A Conferência Mundial, realizada em Durban, teve a responsabilidade de alertar os Governos sobre a falta de ações que explicitem o compromisso e a preocupação dos mesmos em combater efetivamente o racismo e a discriminação racial em todas as suas formas. Agora é fundamental a implantação imediata de políticas públicas, com a participação direta dos povos indígenas.

Pela primeira vez, na história dos grandes eventos, a representação indígena era formada em maioria por mulheres. Os direitos indígenas foram defendidos a partir do olhar feminino, o que sem dúvida foi importante para as conquistas que tivemos em Durban.


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