Quase lá: Entrevista com Sueli Carneiro

Sueli Carneiro
Coordenadora da ONG Geledés Instituto da Mulher Negra, participou ativamentede todas as articulações políticas de afrodescendentesno processo nacional, regional e global que levaram à Durban, na Áfricado Sul. Logo após a sessão final da Conferência, ela compartilhousuas impressões sobre os acalorados debates com a diretora colegiadado CFEMEA, Guacira Cesar de Oliveira

Avaliação Final

Sueli Carneiro - “Durban foi uma batalha árdua até o último momento. Ficamos tod@s bastante insegur@s quanto à condição daquele plenário aprovar um documento final. Talvez por conta da delicadeza de pontos contraditórios, o resultado final se torna mais importante ainda. Foi uma vitória muito sofrida e, por isso mesmo, ela precisa ser valorizada.

É evidente que a Conferência não contemplou tudo que deveria ter sido contemplado: as múltiplas formas de discriminação, a questão das castas. Alguns segmentos humanos foram excluídos do reconhecimento da sua especificidade geradora de discriminação. E isso é um motivo para que Durban permaneça um desafio, um desafio da sociedade civil mundial no sentido de lutar pelo reconhecimento desses grupos humanos portadores de especificidades”.

Afrodescentendes das Américas

Sueli Carneiro - “Nós somos um dos setores que têm muito a festejar. Já havíamos, na Carta de Santiago, conquistado um reconhecimento histórico. O documento é um paradigma porque você tem regiões rompendo com esse mito latino-americano de tolerância racial, reconhecendo o colonialismo como fonte de racismo e discriminação, reconhecendo a articulação entre raça e pobreza, reconhecendo os agravos que a articulação de gênero e raça produzem sobre as mulheres afrodescendentes. É um marco dentro de uma tradição cultural que sempre negou e, sobretudo, romantizou a violência da escravidão, do tráfico e da experiência colonial.

Então nós, afrodescendentes das Américas, consideramos que foi uma vitória extraordinária romper com essa invisibilidade e emergirmos como sujeitos políticos, protagonistas."

Conquistas de Durban

Sueli Carneiro - “Chegamos em Durban com o desafio de assegurar Santiago, num contexto maior em que a temática palestina se colocou daquela maneira, a falta de disposição dos EUA e União Européia para sequer discutir esses temas - da reparação, do pedido de perdão pelo passado. Foram agônicos momentos. Nos deu a sensação de que o esforço gigantesco de todos os envolvidos com a Conferência poderia ficar inviabilizado com a impossibilidade de se finalizar um documento. Dos 11 pontos apresentados pelos africanos e afrodescendentes, nove foram conquistados. É um resultado extraordinário considerando a nossa fragilidade organizativa."

Desempenho das autoridades governamentais

Sueli Carneiro - “Quando o Brasil chegou em Santiago, tínhamos um documento de duas páginas. Creio que a sociedade civil brasileira foi responsável por dar conteúdo àquelas duas páginas oficiais que o país estava levando como proposta. Acredito que a sociedade civil, especialmente a articulação de mulheres negras, deu substância aquele borrador inicial que o Brasil levava. Agora, é preciso reconhecer que houve abertura da diplomacia brasileira para dialogar com a sociedade civil.

Os afrobrasileiros têm muito o que comemorar com os resultados de Durban, mas inequivocamente a diplomacia brasileira é uma das grandes vitoriosas. Conseguiu encontrar, num momento decisivo, uma proposta que acabou por viabilizar o documento final."


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