Por Guacira Cesar de Oliveira
Socióloga, integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) e e da Coletiva Dinamizadora da Universidade Livre Feminista
Neste ano, o CFEMEA completou 25 anos de existência. E o nosso jornal, o FÊMEA, chegou a sua 176ª edição! O Orçamento Mulher, ao qual dedicamos este número, vem sendo monitorado há 12 anos e se constituiu num instrumento importante das lutas feministas por políticas públicas para efetivar direitos. Seu monitoramento, que o CFEMEA realizou desde 2002 no âmbito da União, deixa evidente a importância dessa luta do movimento para garantir o crescimento constante dos recursos alocados. Observamos uma evolução real acumulada no Orçamento Mulher, entre 2002 a 2013 de 1.415% em termos de valores comprometidos com despesas destinadas às políticas para as mulheres. E se considerarmos só o montante executado no mesmo período, esse percentual chega a 1.009%.
Esse crescimento teria produzido muito mais mudanças na vida das mulheres, não fossem as estruturas do Estado patriarcal, racista, patrimonialista que continuaram operando, violando direitos, reproduzindo privilégios, concentrando riqueza e poder numa velocidade e com uma força muito maior do que aquela que se dispunha para garantir direitos e democratizar a democracia. Por isso, as mortes maternas, tão evitáveis, só muito recentemente diminuíram e, assim mesmo, com resultado muito aquém do possível e desejável. Houve muito menos creches do que seria necessário para reduzir a sobrecarga das trabalhadoras com a dupla jornada. A sub-representação das mulheres nos espaços de poder persistiu, contra todas as leis. O racismo continuou cavando um abismo entre nós. A fronteira que deveria separar Estado e religião foi sendo ruída.
Mas para o movimento de mulheres que, desde as mobilizações pelas Diretas Já!, nos anos 1980, fez acontecer a grande onda democratizadora do país, essas forças conservadoras, retrógradas e autoritárias não são desconhecidas. Afinal, desde então, avançamos, resistimos e sustentamos transformações fundamentais no sentido da igualdade, da liberdade, dos direitos e da autonomia das mulheres, neste nosso país, que é um dos mais desiguais e violentos do mundo.
Sem medo de exagerar, podemos dizer que tudo o que conseguimos nessas três décadas de luta democrática foi no embate, na pressão, apesar e contra o sistema político brasileiro e seus mecanismos renitentes de exclusão. Das eleições de 1986 às de 2014, a presença das mulheres na Câmara Federal cresceu apenas 4,6% (de 5,3% em 1986, para 9,9% em 2014). Ou seja, as mulheres que chegaram ao poder construíram exceções à ordem patriarcal e racista, porque nos deixar fora foi e continua sendo a regra.
Tantas batalhas, até que em 2002/2003, frente à reivindicação dos movimentos, foram criados, no primeiro escalão de governos estaduais e federal organismos governamentais para promover políticas para as mulheres, e os planos plurianuais começaram a traçar estratégias para o enfrentamento das desigualdades. Organizamos as Conferências de Políticas para as Mulheres, deliberamos nesse espaço de participação social sobre os pressupostos e diretrizes da Política Nacional para Mulheres, e decidimos sobre as prioridades que deveriam estar contempladas nos Planos quadrienais. Os orçamentos públicos, sob pressão constante da cidadania, desde então, paulatinamente incluíram rubricas específicas e gerais para responder a tais compromissos.
De tantos anos de luta, ficamos com a certeza que cada passo adiante, cada conquista no sentido da garantia dos direitos das mulheres e cada derrota imposta às forças conservadoras e antidireitos foi propulsionada pela força e exigência dos movimentos de mulheres e feminista.
Equivoca-se quem acredita que o poder está no Estado. Antes de mais nada, o poder original está na cidadania, na organização e na movimentação da sociedade. E saber que há força entre nós, reconhecer o poder que temos como movimento, como cidadãs, na sociedade, vai ser indispensável para enfrentar os retrocessos que as eleições nacionais anunciaram e encontrar saídas. Vamos lá! Que venha 2015.