Sandra Dughman Manzur
Advogada pela Universidade do Chile e mestre em Direito pela Universidade de Toronto. Originalmente de Santiago do Chile, Sandra faz parte do programa Desafiando os Fundamentalismos Religiosos da Asociación para los Derechos de la Mujer y el Desarrollo (AWID). Além disso, colabora ativamente com o Programa de Direito em Saúde Sexual e Reprodutiva da Universidade de Toronto
O vigésimo aniversário do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre a População e o Desenvolvimento (CIPD) e a chegada do prazo de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2015) implicam em uma série de avaliações e processos, que formarão as bases para novos acordos e metas. Apesar de os direitos sexuais e os direitos reprodutivos (DSDR) das mulheres, de sua autonomia e capacidade de tomar decisões a respeito de seus corpos, desafiarem o patriarcado e causarem grande oposição de parte da agenda fundamentalista, esta oposição se evidencia com mais força à medida que nos aproximamos dessas datas.
Desde a CIPD, em 1994, e seus bons resultados no âmbito dos DSDR, o uso de plataformas internacionais para influenciar declarações, acordos e convênios com uma visão tendenciosa e restritiva dos direitos é parte central da agenda fundamentalista. Atores como o Vaticano, países de todas as regiões do mundo influenciados por esta agenda - aqueles que formam o Grupo de Países Africanos, a Organização para a Cooperação Islâmica, a Comunidade do Caribe e outros como a Rússia, Malta, Hungria etc - e instituições e ONGs que representam os interesses religiosos de forças extremistas fazem um lobby forte e constante para impedir que os DSDR e os direitos baseados na orientação sexual ou na identidade de gênero (OSIG) sejam reconhecidos como direitos dignos de proteção e amparo.
Esses esforços fundamentalistas tentam impor a supremacia de alguns direitos sobre outros, como a liberdade de consciência ou de religião sobre os direitos de igualdade, autonomia e não discriminação. Tratam de minar a universalidade dos direitos humanos acusando-os de ser uma imposição ocidental imperialista e tentando impor o conceito de “soberania nacional” como limite ao seu cumprimento. Utilizam também argumentos baseados na tradição, na cultura e na religião, como justificativas para enfraquecer os direitos das mulheres, atacar seus corpos e restringir suas liberdades e capacidade de tomar decisões relacionadas à reprodução.
A imposição de conceitos como “família tradicional”, “valores tradicionais”, dualidade homem/mulher, e o papel da mulher na sociedade como dona de casa e mãe, o pátrio poder do pai sobre os filhos e filhas menores de idade para evitar uma educação sexual integral, a inviolabilidade da vida desde o momento da concepção, entre outros, cumprem o objetivo de evitar que conceitos amplos e diversos sobre tipos diferentes de família, o reconhecimento dos direitos com base na OSIG e a autonomia sexual e de reprodução da mulher sejam considerados como direitos que não podem ser violados impunemente.
Diante deste cenário e com base nas tendências avaliadas no Rio+20, as sessões 56 e 57 da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, e os resultados da Comissão sobre a População e o Desenvolvimento, torna-se primordial que estejamos preparadas para instaurar em meio à agenda internacional e de forma clara e direta os Direitos Sexuais e Reprodutivos.
Não permitamos que sejam introduzidos conceitos de “família” excludentes e homofóbicos. Exijamos o reconhecimento dos DSDR como direitos humanos, exigemos que seja reiterado que a saúde sexual e a saúde reprodutiva são partes integrantes da definição de saúde. Que seja incluída uma menção explícita de que o acesso aos métodos contraceptivos de emergência, ao aborto legal e seguro e a uma educação sexual integral explicitamente é parte da saúde reprodutiva. Que sejam condenadas de forma cabal e que se busque a completa erradicação de qualquer tipo de violência de gênero. Por fim, que seja proibida qualquer menção ou argumento que se baseie na tradição, cultura ou religião com o objetivo de enfraquecer a obrigação de todas as nações de respeitar, proteger e promover os Direitos Sexuais e Reprodutivos.