Quase lá: Em ano de eleições municipais Congresso Nacional não priorizou os direitos das mulheres

Por Juliano Barbosa, Kauara Ferreira, Luana Natielle e Priscilla Brito

O ano de 2012 foi marcado pelo ritmo lento dos trabalhos legislativos, principalmente devido ao calendário das eleições municipais no segundo semestre. Em anos assim, a maioria d@s parlamentares voltam às bases para investir nas campanhas eleitorais (próprias ou de outr@s candidat@s), o que faz com que o Parlamento realize suas votações apenas nas chamadas semanas de “esforço concentrado”, que acontecem geralmente uma vez por mês.

O Cfemea acompanha mais de 300 proposições legislativas relacionadas aos direitos das mulheres no Congresso Nacional. De forma geral, o que se observou em 2012, até o presente momento, foi uma estagnação de temas caros à luta feminista, junto à preocupação com a possibilidade de retrocessos.

PEC do Trabalho Doméstico avança lentamente

Nesse cenário, podemos destacar a paralisia da PEC 478/2010, que trata da equiparação de todos os direitos trabalhistas às trabalhadoras domésticas. Apesar de já possuir Benedita da Silva (PT/RJ), desde junho, e da pressão realizada por parte da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) e pelos movimentos feministas e de mulheres, a PEC só foi votada em novembro na comissão especial e no primeiro turno do Plenário da Câmara. Agora ela ainda precisa ser votada em segundo turno e passar pelo Senado Federal, caso aprovada.

Tamanha demora denuncia que a garantia de direitos das trabalhadoras domésticas vem historicamente enfrentando grandes resistências no Congresso Nacional. Além disso, explicita as marcas do machismo e patriarcalismo brasileiro, que impõe ao corpo feminino o papel de “cuidado” do espaço doméstico, sem que isto represente uma atividade remunerada e com direitos trabalhistas. Por isso, é urgente que o Congresso Nacional reconheça que a precariedade e a vulnerabilidade social do trabalho doméstico são heranças diretas do sistema escravocrata e legados da mentalidade colonial, que ainda demonstram forte influência no pensar e no agir cotidianos e do Estado, ente que deveria garantir a equidade para tod@s.

Feministas derrubam MP 557

Podemos destacar como vitória para os movimentos feministas e de mulheres a tramitação da MP 557/2011, que não chegou a ser votada, pois ultrapassou o prazo para ser votada pelo Congresso, após ser encaminhada pelo Executivo.

A Medida Provisória instituía o “Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera” e ameaçava a autonomia e a privacidade que todas as mulheres devem ter em relação à sua vida reprodutiva, afrontando importantes conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Estatuto do Nascituro: uma grande ameaça de retrocesso

Ainda no tema dos direitos sexuais e reprodutivos, há o risco de votação e aprovação do PL 478/2007, que institui o Estatuto do Nascituro e tramita atualmente na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. A proposta prevê um pacote de retrocessos, dentre os quais se destaca a chamada “bolsa-estupro”: o pagamento de um salário-mínimo para que as mulheres vítimas de um estupro não exerçam o direito de interromper a gravidez. O PL foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, mas não sofreu nenhuma tramitação durante 2012.

Por fim, enfrentamos também a possibilidade de criação de uma nova CPI do aborto na Câmara dos Deputados. A principal justificativa do requerimento de criação da CPI (que continua circulando para colher as 171 assinaturas exigidas) é discutir como o financiamento internacional para projetos de legalização do aborto afetam a soberania nacional.

Reforma do Código Penal

Outro tema em destaque é o PL 236/2012, que trata da reforma do Código Penal e atualmente tramita no Senado Federal. A proposta traz questões importantes para a vida das mulheres, com alguns avanços e muitos retrocessos.

Os principais avanços se referem à proposta de ampliação do direito ao aborto, descriminalizando- o em alguns casos. Atualmente, as únicas situações em que o Código Penal não pune o aborto são caso não haja outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é resultante de estupro.

Com o novo Código, as situações descriminalizadas passariam a ser: (1) quando houver risco à vida ou à saúde da gestante; (2) se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; (3) se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos; e (4) se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. Além disso, é prevista a inclusão da perspectiva da identidade de gênero na maioria dos tipos penais.

Por outro lado, o PLS 236/2012 apresenta muitos retrocessos no que refere à Lei Maria da Penha (LMP) e aos crimes contra “dignidade sexual”. Com relação à violência doméstica, o artigo mais prejudicado é o da lesão corporal, pois retoma a possibilidade de substituição de pena por medidas alternativas, ao contrário do que diz a LMP. Já entre os crimes chamados “contra a dignidade sexual”, as questões que mais preocupam são: diminuição da idade de presunção para o crime de estupro, saindo de 14 para 12 anos de idade; a retirada do estupro mediante fraude e do estupro corretivo e a equiparação tácita de prostituição à exploração sexual.

CPMI da Violência

Um marco importante na luta pelos direitos das mulheres foi a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público.

Entre as atividades da CPMI está a realização de audiências públicas por vários estados brasileiros e o diálogo com o consórcio de organizações que elaborou o texto base da Lei Maria da Penha. No dia 10/12/2012, a Comissão deve apresentar seu relatório final sobre a violência doméstica contras as mulheres no Brasil, com as observações acerca da implementação da Lei Maria da Penha e um posicionamento acerca dos Projetos de Lei que visam alterá-la.

Orçamento Mulher ameaçado

Na área de Orçamento, há uma dura batalha para garantir a transparência e a continuidade do controle social. A partir de 2013, parlamentares e sociedade poderão ficar dependentes do governo federal para saber as informações orçamentárias e aquelas relativas à execução financeira das ações que implementam as políticas públicas. Apesar das muitas normas legais sobre participação social, transparência e acesso a informações e ainda tantos discursos e intenções democráticas, há dúvidas se conseguiremos dar continuidade ao Orçamento Mulher e a outros mecanismos de acompanhamento da execução orçamentária das políticas públicas.

O Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2013 enviado ao Congresso Nacional não traz a correspondência entre as leis que definem o Planejamento e o Orçamento da União, devido ao grau de agregação das ações orçamentárias. Se não forem derrubados os vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2013 e não forem tomadas providências para a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2013, o governo terá autorização do Congresso para informar apenas o que, quando, como e onde quiser.

Infelizmente, a ausência de priorização de temas relevantes à luta social é observada não apenas em “anos eleitorais”. De forma geral, o Parlamento brasileiro vem abandonando a luta pelo avanço de direitos democráticos, em especial das mulheres, populações negras e indígenas, entre outras minorias representadas. Isso só reforça a urgência de votação e aprovação de uma reforma política e eleitoral ampla e democrática, tal como a defendida por diversos setores dos movimentos sociais e concretizada na proposta de iniciativa popular, que está em plena campanha por assinaturas. Saiba mais no site www.reformapolitica.org.br.


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