A II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM) - da qual participaram 195 mil pessoas em todo o Brasil - é uma expressão contundente da vontade e do compromisso político das mulheres, dentro e fora dos governos, com a promoção da igualdade. Vontade e compromisso muito maiores do que os mecanismos institucionais, os recursos orçamentários e os instrumentos de gestão das políticas públicas hoje existentes. Conseguir reunir esse número de mulheres não foi tarefa simples, nem para os governos espalhados por todo o país nem para a sociedade civil. Afinal, sabe-se da fragilidade a que estão expostas a maioria das coordenadorias da mulher e as implicações disso para estabelecer e efetivar ações locais, estaduais e até nacionais que dêem conseqüência às diretrizes do Plano de Políticas para as Mulheres.
A política econômica adotada pelo governo foi duramente criticada na Conferência, porque concentra riqueza e agrava a pobreza. Avaliou-se o que foi realizado e o que faltou realizar e não há dúvidas: ainda há muito por fazer, muita luta para mudar a estrutura do sistema político e das políticas públicas, de modo a romper com o ciclo vicioso de reprodução das desigualdades. Mas também é fato, da primeira conferência até agora, o fortalecimento político e organizativo dos movimentos de mulheres aprofundou as exigências de participação e controle social sobre as políticas públicas.
Nesse sentido, um dos grandes méritos da Conferência foi o de expressar a força e a disposição de luta dos movimentos de mulheres para exigir do Estado que ele cumpra sua parte. A cobrança de mecanismos e recursos necessários à implementação da Lei Maria da Penha resultou na promessa do presidente Lula que vai colocar R$1 bilhão, nos próximos três anos, para responder a essa demanda.
As trabalhadoras rurais, os movimentos de mulheres negras e lésbicas, por sua vez, exigiram que se conferisse prioridade ao enfrentamento dos efeitos da combinação entre racismo, lesbofobia e sexismo. Questões geracionais reverberaram nas pautas trazidas pela juventude e pelos movimentos da terceira idade.
Todos os movimentos cobraram do governo o envio de projeto de lei ao Congresso Nacional para descriminalizar e legalizar o aborto. Da mesma maneira que reivindicaram políticas para garantir a autonomia econômica das mulheres e para enfrentar a divisão sexual, o que significa eliminar a sobrecarga das mulheres com a dupla jornada.
A Conferência aprovou novas prioridades para orientar o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, e é necessário que elas estejam expressas no planejamento governamental de médio prazo (PPA 2008-2011), que os governos estaduais e federal estão definindo neste momento. De fato, a discussão sobre o PPA já está nas Assembléias Estaduais e no Congresso Nacional, antes mesmo que o novo Plano de Políticas para as Mulheres esteja definido. Mas é bom lembrar: o que não estiver contemplado no PPA dos estados e nacional não pode se realizar. Apesar disso, o fato de uma ação estar no PPA não é garantia de que ela vá mesmo ser realizada.
De todas as maneiras, o processo da Conferência já estabeleceu um contraponto, apresentou propostas, que os movimentos sustentam, a sociedade reconhece e sobre as quais o Poder Público vai ter de se manifestar.
Junto com a discussão do PPA 2008-2011, vêm também as disputas em torno dos Orçamentos Públicos para 2008. Cada real a mais no orçamento de 2008 pode ampliar o número de serviços, de mulheres atendidas, de iniciativas apoiadas e, ademais, a capacidade dos próprios governos de incluir a perspectiva de gênero nas políticas públicas.
Cada novo mecanismo criado para dar transparência ao uso dos recursos públicos na promoção da igualdade de gênero e raça é um instrumento político a mais nas mãos dos movimentos de mulheres, da Bancada Feminina, dos organismos de fiscalização e controle e também dos gestores públicos comprometidos com esse tipo de abordagem.
Cada nova diretriz estabelecida para orientar as políticas e os gastos públicos na promoção da igualdade é um desafio que pode mobilizar gestores públicos e os responsáveis pelas agências fomento. Afinal, quando se trata de políticas para as mulheres e para a igualdade racial, o obstáculo não é só a falta de recursos, posto que quase todos os programas e ações governamentais não foram concebidos nem estão sendo desenvolvidos de maneira a enfrentar o caráter estrutural dessas desigualdades.
Enfim, ninguém tinha ilusões. Realmente há muito por ser feito e o espaço da participação e do controle social criado pela Conferência amplia possibilidades de intervenção e decisão sobre o que fazer e como fazer.