Quase lá: Eleições de 2006 no Brasil: a difícil conquista de mandatos eletivos por mulheres

Almira Rodrigues
Socióloga e pesquisadora do CFEMEA

Os resultados eleitorais apontam para questões substantivas a serem urgentemente enfrentadas pelo Estado e pela sociedade brasileira, mediante suas instituições públicas (Governos, Parlamentos e Justiça Eleitoral) e privadas, em especial, partidos políticos e movimentos de mulheres1.

Balanço Eleitoral

Foram poucas as mulheres eleitas em 2006. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de um total de 2.498 candidatas (2 à Presidência, 26 aos Governos, 35 ao Senado, 652 à Câmara Federal e 1.783 às Assembléias e Câmara Legislativas) foram eleitas apenas 176 mulheres (3 Governadoras, 4 Senadoras, 46 Deputadas Federais e 123 Deputadas Estaduais/Distritais)2.

Esses resultados são péssimos e trazem a idéia/sentimento de que a eleição de mulheres é um acontecimento cada vez mais difícil, gerando frustração e desânimo. Faz-se necessário, no entanto, tomar um distanciamento e fazer uma releitura dos resultados, valorizando e reconhecendo as positividades dos mesmos em cenários tão adversos.

Algumas interpretações dos resultados

Os resultados eleitorais reafirmam a reduzida representação política das mulheres entre o total de eleitos/as3. Elas são: 11,11% dos governantes estaduais; 14,8% da bancada renovada no Senado Federal; 8,97% dos/as deputados/as federais; e 11,61% dos/as deputados/as estaduais/distritais. Esta subrepresentação é uma constante, apesar de apresentar algumas variações segundo os cargos proporcionais e majoritários, os partidos políticos e as unidades da federação. Esta situação merece maiores investigações visando identificar as peculiaridades locais/regionais e históricas.

No geral, a reduzida representação das mulheres pode ser explicada por vários fatores, entre os quais pode-se destacar: a prevalência da cultura patriarcal; as características do processo eleitoral e da representação política no País; as desigualdades competitivas de gênero; e a lógica de estrutura e funcionamento dos partidos políticos.

A cultura patriarcal embora venha perdendo terreno na sociedade brasileira ainda tem sustentáculos. A associação homem-espaço público e mulher-espaço privado ainda permeia a mentalidade e o insconsciente das pessoas, independentemente do gênero, da raça/etnia, da classe social. Esta associação é continuamente reafirmada à medida que a ação política, atividade por excelência do espaço público, é realizada por homens, que efetivamente concentram poder político, ocupando posições junto ao Estado, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas, não só junto ao Estado, pois os homens concentram posições de poder também junto aos partidos políticos e à maioria das organizações da sociedade civil organizada.

A representação da política como uma atividade masculina, por excelência, carrega alguns paradoxos. Em algumas pesquisas de opinião com eleitor@s, tem sido evidenciado que as mulheres possuem melhor imagem, em termos éticos e de integridade no trato com a "coisa pública". No entanto, a maior parte tanto de homens quanto de mulheres afirma que nunca votou em mulheres para cargos eletivos, sugerindo a influência de possíveis variáveis como desconfiança ou resistência em desmontar a associação homem-espaço político.

Para além das posições alcançadas por mandato eletivo, a situação de subrepresentação se repete nos casos em que as posições são fruto de indicação política. A indicação de nomes para o 1º escalão nos Poderes Executivo e Judiciário, feitas por Governantes em suas respectivas esferas (federal, estadual e municipal), também não contempla mulheres de uma forma significativa, mesmo sabendo-se da existência de mulheres com trajetórias públicas brilhantes e íntegras.

Outra variável explicativa para resultados eleitorais tão precários para as mulheres pode ser buscada nas próprias características do processo eleitoral e da representação política no País. O processo eleitoral brasileiro está ancorado no poder econômico e no jogo de influências, à medida que vigora o financiamento privado de campanhas eleitorais. Apesar de um limite para o valor das contribuições de pessoas jurídicas (empresas, fundações) e de pessoas físicas, os/as candidatos/as que angariam maiores contribuições financeiras - o que passa por maiores articulações e influências junto a empresas e corporações - têm melhores condições para serem eleitos/as. É sabido que a prática de compra direta de votos foi uma constante na história política brasileira, conformando a compra da representação política e a reprodução de poderosos nestes espaços. Esta prática vem sendo combatida e atualmente é mesmo criminalizada pela legislação eleitoral. No entanto, a prática ganhou outras expressões, mais sutis e indiretas. Assim, a cada eleição, observa-se uma maior profissionalização da política com gastos de campanha crescentes e astronômicos.

Outra característica desse modelo eleitoral e de representação política é o peso da expressão individual e a ênfase personalista, à medida que os/as eleitores votam em pessoas e não em partidos políticos. Assim, o modelo favorece às lideranças políticas consolidadas, construídas em um complexo de relações de clientelismo, influências e de acumulação de história de vida pública.

Estas características apontam diretamente para uma profunda desigualdade competitiva de gênero na política representativa. As mulheres têm e angariam menos recursos financeiros, além de terem menos história de vida pública e articulações e influências mais reduzidas e restritas. Como se não fora pouco, a desigualdade de gênero sustenta diferentes dinâmicas do uso e distribuição do tempo disponível para a prática política. Assim, enquanto a política tende a ser a atividade exclusiva e/ou principal dos homens (sendo realizada inclusive com remuneração), no caso das mulheres, a prática política tende a ser conjugada com atividades profissionais remuneradas e atividades domésticas (cuidado da casa e das crianças, das pessoas idosas e doentes). Essa é outra diferença que gera uma enorme desigualdade nos processos político-eleitorais, condicionando e limitando a participação política das mulheres.

Por fim, merece destaque a lógica de estruturação e funcionamento dos partidos políticos, instituições que detém o monopólio da representação política junto ao Estado. Estas instituições são um reduto masculino por excelência. Apenas recentemente, principalmente a partir dos anos noventa, a problemática da subrepresentação das mulheres ganhou acolhida em alguns poucos partidos. Nas principais organizações partidárias - em termos de representantes eleitos/as e de história político-ideológica -, as militantes têm se organizado visando sensibilizar e influenciar a direção e o conjunto partidário para promover a participação política das mulheres e incorporar as plataformas feministas. Se as mulheres filiadas já atingem um percentual expressivo em muitos partidos, em torno de 40%, não ocupam posições de destaque nas direções e representações partidárias na mesma medida. Os partidos se estruturam e funcionam segundo a lógica masculina, de total disponibilidade para as ações políticas, de disputa por ocupação dos postos de poder e de afirmação de influências e articulações políticas.

Por tudo isso - cultura patriarcal, características do processo eleitoral e partidário, uso e distribuição do tempo dos homens e das mulheres - as campanhas eleitorais das mulheres tendem a receber menor apoio e sustentação partidárias e a ter menor visibilidade comparativamente às campanhas dos homens, e, consequentemente, a receber menor apoio e voto de eleitores/as.

Este quadro é agravado à medida que não se vislumbra perspectivas concretas de sua superação a curto tampouco a médio prazo. Com a redemocratização política no País, a partir de 1985, as mulheres têm ampliado timidamente a sua participação e representação política. As cordenações e secretarias de mulheres nos partidos vêm se consolidando, embora careçam de apoio político e de recursos financeiros para a realização de seu trabalho. A partir de meados dos anos noventa, foram aprovadas legislações de cotas por sexo para as eleições proporcionais, medida esta fundamental embora não suficiente para ampliar a participação e representação política das mulheres4. Nessa década alguns poucos partidos adotaram a iniciativa de incluir em seus estatutos o princípio das cotas por sexo para a composição de suas direções partidárias.

Apesar da importância de todas essas medidas, elas têm se mostrado pouco eficazes para o enfrentamento do desafio que se tem pela frente - superar a subrepresentação das mulheres na política e democratizar a política representativa. Assim, é necessário adotar um conjunto de ações estruturais, permanentes e eficazes e esta é uma discussão extremamente oportuna e premente a ser aprofundada no espaço público5.

(1) Este é o segundo texto do Projeto A participação política das Mulheres nas Eleições 2006, desenvolvido pelo CFEMEA, com o apoio da Embaixada da Finlândia. O primeiro abordou a situação das mulheres candidatas, "Mulheres e Eleições 2006 no Brasil: o difícil caminho de eleitoras a candidatas e eleitas", e está disponibilizado no site www.cfemea.org.br - seção temas e dados - temática poder e política - item artigos e textos.

(2) Ver dados detalhados do TSE, sistematizados pelo CFEMEA, sobre candidaturas e eleitos/as no site www.cfemea.org.br - seção temas e dados - temática poder e política - item dados estatísticos.

(3) Esta subrepresentação é um fenômeno mundial e pode ser consultada no site da Inter-Parliamentary Union - www.ipu.org.

(4) A implantação de cotas por sexo ou cotas para mulheres tem sido objeto de legislação em 89 países (legislação constitucional, eleitoral ou partidária) sendo acompanhada pelo projeto Global Database of Quotas for Women, desenvolvido pelo IDEA - Internacional Institute for Democracy and Electoral Assistence e a Universidade de Estocolmo - www.quotaproject.org.

(5) O movimento feminista tem dado a sua contribuição para este debate. Nesse sentido, merece destaque a publicação Ponto de Vista Feminista sobre a Reforma Política, realizada pelo CFEMEA, com apoios da Embaixada da Finlândia e da Bancada Feminina no Congresso Nacional.


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