Aproveitando o ensejo que a luta pela visibilidade lésbica nos trouxe no mês de agosto passado, queremos fazer nossas as palavras de Alejandra Sarda, integrante da Comissão Internacional dos Direitos Humanos de Gays e Lésbicas (IGLHRC). Segundo Alejandra,
"A forma como a sociedade pensa e regula a sexualidade é um elemento central do controle social, inseparável de outras formas de exploração como a exploração econômica. Os movimentos da diversidade sexual/GLTTBI tentam promover uma reflexão sobre como se vive, pensa e se tenta controlar a sexualidade das pessoas, tanto por parte do Estado como pela sociedade e quais os efeitos disso sobre as relações humanas. Rejeitamos a inflexibilidade do paradigma do sexo/gênero, segundo o qual somente existem homens ou mulheres e que toda a pessoa que se nega a ser encaixada nesse molde não é pessoa nem cidadã e, portanto, alvo fácil das violações mais brutais de sua integridade física e psíquica. Essas violações vão de cirurgias de "restauração" para meninas e meninos cujos órgãos genitais fogem à norma, o que destrói a sua possibilidade de ter uma vida sexual prazerosa na idade adulta, até a morte civil das pessoas que vivem em Estados que não reconhecem o direito de mudar os seus documentos de identidade, a fim de refletir a identidade de gênero que elas sentem como a sua própria. Em oposição a essa prisão das identidades, propomos uma visão mais flexível, na qual há tantos sexos e tantos gêneros quantas são as pessoas existentes e todas merecem o mesmo respeito e a mesma possibilidade de se constituírem como pessoas e cidadãs.
Recusamos o mandato de uma sexualidade que somente pode ser exercida nos marcos do casal monogâmico de pessoas de sexos opostos. Contra essa visão utilitária e restritiva da sexualidade, propomos a idéia de uma sexualidade que é a expressão de si mesma, comunicação, jogo; que se exerça para conhecer melhor a si mesma, para comunicar-se com outros, para dar e receber prazer. Uma sexualidade que aceita qualquer expressão, tendo como único limite o consentimento daquelas(es) que a exercem e a ausência de danos comprováveis a outra pessoa.
Para os movimentos GLTTBI ou da diversidade sexual, a possibilidade de outro mundo implica não somente mudanças econômicas, políticas e sociais, mas também mudanças de fundo na maneira de ver a sexualidade em todos os seus aspectos. Nesse outro mundo possível que construímos no nosso trabalho diário, as únicas expressões de sexualidade que serão objeto de sanção por parte da sociedade seriam aquelas que implicam violência e abuso. Algumas dessas expressões ainda são não somente toleradas como até enaltecidas, mesmo no interior dos movimentos sociais, como acontece com muitas expressões machistas que aviltam as mulheres. Nesse outro mundo possível a sexualidade será um presente que nos foi dado pela vida e não algo de que devamos nos envergonhar. Nesse outro mundo possível a sexualidade será motivo de celebração pelas mesmas razões pelas quais hoje é motivo de repressão: por ser imprevisível, diversa, porque nos surpreende e nos recorda que não somos donos ou donas da vida, porém apenas fazemos parte - por sorte - de seu fluxo."
Este texto é um fragmento do artigo "Um olhar diferente sobre a sexualidade" de autoria de Alejandra Sardá, publicado na Revista Democracia Viva, nº 27 (jan/fev2005) editada pelo IBASE.