Quase lá: Como andam as políticas públicas para autonomia econômica das mulheres?

Responder esta questão é tarefa bem difícil. De um lado temos de olhar para o Orçamento da União, para ver se estas políticas públicas estão paradas ou caminhando; e, nesta hipótese, a que velocidade. Por outro lado, temos de olhar para o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que estabelece a autonomia e igualdade no mundo do trabalho como uma das suas diretrizes.

O problema é que o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e o Orçamento da União ainda não estão compatibilizados. Algumas ações previstas no Plano ainda não constam do Orçamento, pelo menos de forma explícita, o que dificulta saber ao certo quanto dos recursos públicos estão sendo alocados na efetivação do Plano.

Por outro lado, apesar de existir no PPA - Plano Plurianual 2004/2007 diretriz que assegura a "Garantia do recorte transversal de gênero, raça, etnia, geracional, pessoa com defiência e orientação sexual na formulação e implementação de políticas públicas.", na prática o que se percebe é que a quase totalidade das ações e programas não está definida nem balizada pela desigualdade de gênero e étnico-racial. Por isso é difícil dimensionar se os recursos públicos estão sendo investidos em políticas que resultem na superação dessas desigualdades.

O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) vem monitorando a execução orçamentária de 16 programas previstos no Plano Plurianual, nas áreas de trabalho, emprego e renda, que têm implicações diretas sobre a autonomia econômica das mulheres. Vejam a seguir como vai a execução orçamentária de cada um dos programas.

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e a Diretriz para a Autonomia e Igualdade no Mundo do Trabalho e Cidadania

Assumindo tal diretriz, o governo objetiva promover a autonomia econômica e financeira das mulheres e a equidade de gênero, racial e étnica nas relações de trabalho, mediante inclusive políticas de ação afirmativa. Ademais, visando a área rural, quer ampliar a inclusão das mulheres na reforma agrária e na agricultura familiar; e na área urbana, pretende promover o direito à vida nas cidades com qualidade.

Para alcançar tais objetivos, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres estabelece 5 prioridades: ampliar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho; promover a autonomia econômica e financeira das mulheres por meio do apoio ao empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e comércio; e promover relações de trabalho não discriminatórias, com equidade salarial e de acesso a cargos de direção.

Um conjunto de 76 ações, também definidas pelo Plano, buscam a concretização dos objetivos e o alcance destas metas.

A íntegra do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres está disponível no seguinte endereço eletrônico: www.mec.gov.br/spmu/pnpm.pdf.

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) apresentou execução expressiva em 2004 de R$ 2,678 bilhões, atingindo quase 90% da dotação autorizada. Esse valor é 84,4% acima do executado em 2003 que atingiu R$ 1,45 bilhões. Segundo a coordenadora do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do ministério, Andréa Butto, "mais de 20% dos financiamentos concedidos destinam-se às mulheres, mas a meta é aumentar para 30% essa participação." Em 1999, apenas 9% das mulheres do total de agricultores familiares participavam do PRONAF. Comparando com a safra 2001/2003, o número de contratos fechados por mulheres atualmente é três vezes maior." Nós passamos de 121 mil para 322 mil contratos na safra 2004/2005" garante a coordenadora3. Para 2005, a dotação é de R$ 3,7 bilhões, superior em 22% a de 2004. Até abril, já estão empenhados R$ 3,5 bilhões e pagos quase R$ 500 milhões.

O programa Primeiro Emprego tem como objetivo inserir jovens no mercado de trabalho, facilitando a obtenção do seu primeiro emprego e destaca a questão de gênero/raça/cor na definição do público-alvo.

Em 2004, a execução do programa foi muito aquém do esperado, apenas 27% da dotação autorizada foi paga. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cerca de 300 mil jovens se inscreveram para participar do programa. A principal ação orçamentária "Estímulo Financeiro ao Empregador para Geração do Primeiro Emprego destinado a Jovens" cuja dotação inicial era de R$ 92,5 milhões executou insignificantes R$ 248 mil. Em agosto de 2004 o programa foi modificado para torná-lo mais atrativo e flexível, elevando de R$ 1,2 mil para R$ 1,5 mil o subsídio anual concedido às empresas para cada jovem admitido afim de compensar os custos de contratação pelo Programa e a inclusão de jovens com o Ensino Médio concluído, mas, os efeitos ainda não se fizeram sentir. Destaque para a ação "Qualificação de Jovens para o Serviço Voluntário" que executou cerca de R$ 17,1 milhões.

O Orçamento para 2005 prevê dotação de R$ 140,7 milhões, sendo que até 29 de abril foram empenhados aproximadamente 22% deste valor.

O programa Economia Solidária é um programa estratégico para a conquista da autonomia e do empoderamento da mulher, especialmente as que se encontram em situação de pobreza, mas ainda não apresenta recorte de gênero e raça. Em 2004 estavam previstos quase R$ 60 milhões, mas foram gastos apenas R$ 22 milhões, ou seja, 36,4%. Para 2005 estão previstos R$ 57,4 milhões, mas até 29 abril só foram empenhados R$ 864 mil, menos de 2%.

O programa Qualificação Social e Profissional apresenta uma trajetória de execução crescente. Em 2003, foram pagos cerca de R$ 48 milhões e, em 2004, R$ 77 milhões, e a previsão para 2005 é de R$ 131 milhões. Até 29 de abril foram empenhados R$ 48 milhões. Vale lembrar que o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) apresenta recorte transversal de gênero e raça, garantindo preferência de acesso às mulheres, sendo que a orientação pedagógico-metodológica reconhecerá e valorizará a diversidade cultural, étnica, social, regional, de gênero, que perpassa os trabalhadores.

O programa Rede de Proteção ao Trabalho tem como objetivo garantir o cumprimento das normas legais e convencionadas de proteção ao trabalho. Assim, além de promover a fiscalização, contribui com a divulgação da Convenção nº 111 da OIT, junto ao setor público nos programas relativos à área trabalho, influenciando a adoção de políticas públicas de combate à discriminação.

Em 2004 quase toda a dotação autorizada foi executada, atingindo cerca de R$ 18 milhões. A previsão para 2005 é de R$ 20 milhões e até 29 de abril foram empenhados 73,4% deste total. A ação orçamentária "Combate a Discriminação" no trabalho é ainda insignificante do ponto de vista de volume de recursos, apenas R$ 200 mil, mas o desenvolvimento de ações não orçamentárias tem sido de grande importância nesta área.

No programa Integração das Políticas Públicas de Emprego e Renda destaque para a ação "Pagamento do Seguro-Desemprego ao Trabalhador Doméstico". Em 2003, foram pagos R$ 6,2 milhões, em 2004, R$ 7 milhões e a previsão para 2005 é de R$ 8 milhões. Ressalta-se que esses valores representam apenas 0,1% do que é pago de seguro desemprego às/aos outr@s trabalhador@s do setor formal, perspectiva que se mantém em 2005.

Esta é uma despesa obrigatória. Não há como cortá-la. O que chama a atenção, é o fato de que apesar de crescente, ainda seja tão pequeno o número de trabalhadoras que acessem este direito. Uma das explicações pode-se supor que seja os parcos recursos destinados a ação "Publicidade de Utilidade Pública", com dotação de quase R$ 700 mil para todo o programa. Afinal, o desconhecimento do direito e das formas de acessá-lo é um obstáculo fundamental ao seu exercício. Pode-se inferir que a outra explicação esteja na própria legislação do seguro desemprego, que discrimina negativamente a categoria das trabalhadoras domésticas, dificultando sobremaneira o acesso ao seguro desemprego.

O programa Organização Produtiva de Comunidades Pobres (PRODUZIR) está vinculado aos programas de desenvolvimento regional do governo federal e tem como objetivo promover a capacitação e organização produtiva de comunidades pobres. Não apresenta recorte transversal de raça e gênero. Em 2004, foram pagos quase R$1,8 milhões, o que representou 70% da dotação autorizada. Em 2005, a previsão é de quase R$ 2,7 milhões e até 29 de abril nada tinha sido empenhado.

O programa Incentivo à Autonomia Econômica das Mulheres no Mundo do Trabalho apresentou uma execução de menos de 50% das despesas autorizadas na Lei Orçamentária em 2004. Dos quase R$ 4 milhões previstos foram pagos apenas R$ 1,8 milhões. Tal desempenho se deve aos efeitos do contingenciamento realizado em 2004 que "cortou" 45,5% do orçamento deste programa naquele ano. A quase totalidade de seus recursos foram aplicados na "Capacitação de Mulheres Gestoras nos Setores Produtivos Rural e Urbano", sendo que mais de 80% foram aplicados através de entidades sem fins lucrativos, cabendo a Estados e municípios o restante. Do ponto de vista regional observa-se uma maior concentração no sudeste e sul do País, com cerca de 55% da aplicação dos recursos2.

A dotação inicial para 2005 é de R$ 3,2 milhões, o que representa uma queda de quase 20% relativamente à dotação inicial de 2004. Mas ainda não se sabe o efeito do contingenciamento sobre este programa para uma avaliação mais precisa. Até 29 de abril, o nível de empenho era de 5,4%, o que pode ser explicado pela divulgação apenas em 24 de março da Portaria que define os termos de referência e os prazos para entrega e análise dos projetos. Como a Portaria Nº 003 estabelece como data limite o dia 30 de abril e 30 de maio em segunda chamada, e estabelece ainda prazo máximo de 60 dias para análise final dos projetos, supõe-se que a execução orçamentária deste programa só terá inicio no segundo semestre.

Os programas Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais, Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais e Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária, que estão a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário que tem envidado esforços no sentido de garantir a transversalização de gênero em suas políticas, apresentaram, em 2004, execução de 60% a 80% relativamente à despesa autorizada. Para 2005, as despesas autorizadas sofrerão significativa elevação, 470%, 28% e 160%, respectivamente, mas o nível de empenho e pagamento em 2005 é ainda muito baixo.

Destacam-se ainda os programas Artesanato Brasileiro, Arranjos Produtivos Locais, Desenvolvimento centrado na Geração de Emprego, Trabalho e Renda e Crédito Fundiário, que apresentaram nível de execução baixo em 2004 e que não apresentam recorte transversal de gênero e raça.

Passados os 4 primeiros meses de 2005, observa-se que o nível de execução do conjunto dos programas analisados ainda é baixo, como era de se esperar. Dos 16 programas selecionados, 9 apresentam nível de pagamento abaixo de 1% relativamente às dotações autorizadas. Pode-se concluir que muito ainda falta para que a diretriz de garantia de transversalidade de gênero e raça seja uma realidade nas políticas públicas federais.

(1) O Orçamento Mulher conforme definição do CFEMEA é constituído por 50 programas, presentes no Plano Plurianual 2004-2007 para sua composição. Os critérios adotados organizaram os programas em 3 grupos:
Grupo A: Cuja maioria do público-alvo seja a mulher, ou que apresentam definição forma/legal da participação da mulher ou explicita o enfoque de gênero no programa ou ação.
GRUPO B: Tenham relevância (que se destaquem) na alteração do cotidiano da mulher.
GRUPO C: Mesmo não atendendo os critérios acima, possam ser estratégicos para as mulheres do ponto de vista de seu empoderamento e autonomia econômica.

(2) Governo quer ampliar participação feminina no desenvolvimento rural.

(3) Fonte: Entrevista para Rosamélia de Abreu Repórter da Agência Brasil.


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