O recente anúncio (25 de novembro) da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da entrega do projeto de violência doméstica e familiar para o Congresso Nacional provocou preocupações nos movimentos feministas.
O consórcio de organizações feministas, juntamente com juristas1 elaborou, no início do ano, uma proposta de legislação de violência doméstica e familiar contra as mulheres, e uma justificativa da importância de trabalhar o tema no âmbito legal. A necessidade de mudanças na legislação brasileira sobre violência doméstica é evidente para as organizações de direitos humanos.
O documento encaminhado pelo Consórcio de ONGs Feministas, dentre outras medidas, propunha o afastamento da aplicação dos procedimentos previstos na Lei 9099/95, que regulamenta os Juizados Especiais Criminais (JECRIMS), para os casos de violência contra mulher. A instância é considerada para a resolução desse tipo de conflito, uma vez que a imputação do pagamento de cesta básica, da prestação de serviços comunitários e da pena de multa são medidas que vem contribuindo para a banalização desse tipo de violência.
Em abril de 2004, foi constituído o Grupo Interministerial, com a participação do Consórcio, para a discussão de um projeto de lei. Após o encerramento dos trabalhos desse grupo (setembro de 2004) o documento ficou em apreciação no âmbito do Poder Executivo. Ao mesmo tempo, foram solicitados, pela SPM, pareceres das organizações civis sobre o projeto.
Nesses pareceres estiveram presentes alguns questionamentos, entre eles destaca-se a manutenção do julgamento dos casos de violência doméstica e familiar nos Juizados Especiais Criminais. A mudança dessa postura é uma das lutas dos movimentos de mulheres.
No começo do mês de novembro, a SPM enviou para a Casa Civil da Presidência da República o projeto para apreciação. Alguns pontos presentes nos pareceres foram incorporados ao documento, no entanto, em meados do mesmo mês, durante a reunião da Secretaria com a Bancada Feminina do Congresso Nacional sobre o projeto, ficou clara a manutenção da Lei 9.099.
A partir desse novo fato, tanto o Consórcio de ONGs, quanto a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) encaminharam cartas com considerações contra a utilização dessa lei para esses casos.
A proposta do Executivo estabelece um novo procedimento para os casos de violência contra a mulher e faculta aos Estados e Distrito Federal a criação de Varas e Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, com competência civil e penal. Porém o novo procedimento altera tão-somente o procedimento da Lei 9099/95, numa tentativa de adequar a estrutura dos Juizados Especiais Criminais para atender os casos de violência contra as mulheres. Além disso, diz que, enquanto não criada a nova estrutura, os JECRIMs e as atuais varas criminais serão competentes para o julgamento de tais crimes, observando o novo procedimento.
Assim, mesmo tendo recepcionado a sugestão da criação de Varas Especializadas com competência civil e penal, o projeto pouco avançou em relação às mudanças necessárias para garantir o acesso à justiça às mulheres em situação de violência doméstica, tendo em vista a permanência de procedimentos como a transação penal.
Em parecer encaminhado à SPM, a jurista Ella Weicko afirma que "a grande falha do Anteprojeto é insistir na manutenção dos crimes de lesão corporal leve, ameaça, dano, crimes contra a honra e outros, apenados até dois anos de pena privativa de liberdade, como crimes de menor potencial ofensivo e, portanto, sujeitos ao Juizado Especial. O critério estabelecido para a criação desse Juizado não atende à especificidade da violência doméstica contra a mulher."
O CFEMEA continuará acompanhando o projeto, agora dentro do Congresso Nacional.
(1) Formam o Consórcio: ADVOCACI - Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos, AGENDE - Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento, IPÊ/CLADEM - Instituto para Promoção da Equidade/Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, CEPIA - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Ação e Informação, CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria, THEMIS - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.
Outr@s participantes: Ela Wiecko de Castilho (Membro do Ministério Público Federal e Professora de Direito Penal da Universidade de Brasília), Ester Kosovski (Professora de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Leilah Borges da Costa (Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros), Rosane Reis Lavigne (Membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), Simone Diniz (médica e membro do Coletivo Feminista e Casa Eliana de Grammon) e Wania Pasinato Izumino (socióloga e pesquisadora do NEV), com a colaboração, na fase de elaboração final do anteprojeto, do Assessor Parlamentar da Câmara dos Deputados e advogado Adilson Barbosa, e do jurista Salo de Carvalho.