Giane Boselli
Socióloga, advogada e assessora técnica do CFEMEA
Com os resultados eleitorais do 1º e 2º turnos, já podemos traçar um panorama da realidade brasileira no que se refere à participação das mulheres na política local. Não podemos negar que se trata de um campo com avanços muito lentos. A sub-representação das mulheres nos espaços de decisão política é um dos símbolos do déficit histórico gerado pela exclusão que as atingiu. Essa exclusão ainda atinge em cheio as brasileiras, como podemos ver com os resultados destas eleições.
O número de vereadoras cresceu 1%
Nas eleições municipais de 2.000 foram eleitas 7.001 vereadoras, representando 11,6% de um total de 60.287 eleit@s. Embora a expectativa fosse de que este número aumentasse nestas eleições, acabou por ocorrer um declínio. Ou seja, em 2004 foram eleitas 6.555 vereadoras, correspondendo, por sua vez, a 12,6% de um total de 51.819 eleit@s1.
O número de vereadoras eleitas reduziu-se em 446 lugares. No entanto, como podemos ver, o número de cadeiras nas Câmaras Municipais de todo o País também foi muito reduzido, acirrando a competição entre @s candidat@s. Os homens também sofreram uma drástica queda no número de eleitos. Constatou-se uma diminuição de 8.009 homens eleitos nestas eleições, uma queda 18 vezes maior que a das mulheres. Podemos ver, então, que ambas as quedas tem relação direta com a redução no número de cadeiras nas Câmaras.
Mesmo com a diminuição do número de mulheres eleitas nas eleições de 2004, relativamente às eleições de 2000, a sua participação proporcional foi ampliada em 1%, subindo de 11,6 para 12,6% do total de eleit@s. A média de 12% de mulheres em Assembléias Locais vem se mantendo em quase todo o mundo. Apenas a região do sul da África se encontra atualmente na dianteira da média global de mulheres das assembléias locais, com 15,5%.
Quando observamos um pouco mais de perto, por região do País, podemos ver que existem alguns Estados que elegem um número muito maior de mulheres do que outros. Os Estados do Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe, Tocantins e Paraíba tiveram um excelente desempenho, enquanto outros mais desenvolvidos como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo tiveram um número de eleitas mais reduzido. Essa diferença aponta para várias interpretações como, por exemplo, o fato dos Estados mais desenvolvidos terem campanhas masculinas mais profissionalizadas e abrangentes, dificultando a visibilidade das mulheres, que tendem a possuir poucos recursos financeiros para suas campanhas. Existem também apontamentos que sinalizam o fato de que a presença da mulher na política nordestina sempre foi maior, tendo em vista os laços de parentesco entre as candidaturas. As mulheres nordestinas tenderiam a receber maior indicação das próprias famílias, já envolvidas no campo da política.
Vereadoras Eleitas
Rank | Partido | Percentual de vereadoras eleitas | Rank Estadual | Estado | Percentual de vereadoras eleitas |
1 | PRTB | 17,01 | 1 | RN | 17,16 |
2 | PAN | 15,48 | 2 | MA | 16,57 |
3 | PTdoB | 15,46 | 3 | SE | 16,47 |
4 | PT | 15,17 | 4 | TO | 16,47 |
5 | PHS | 14,15 | 5 | PB | 16,43 |
6 | PSDC | 13,58 | 6 | MS | 14,56 |
7 | PSDB | 13,10 | 7 | CE | 16,14 |
8 | PMDB | 13,04 | 8 | AL | 15,35 |
9 | PP | 12,99 | 9 | PA | 15,21 |
10 | PRONA | 12,98 | 10 | AP | 14,57 |
11 | PV | 12,95 | 11 | GO | 13,42 |
11 | PFL | 12,95 | 12 | BA | 13,22 |
12 | PTC | 12,90 | 13 | PI | 13,09 |
13 | PTB | 12,49 | 14 | RR | 12,95 |
14 | PSB | 12,32 | 15 | MG | 12,94 |
15 | PRP | 12,29 | 16 | AM | 12,67 |
16 | PSL | 11,65 | 17 | AC | 12,25 |
17 | PMN | 11,46 | 18 | RS | 11,87 |
18 | PPS | 11,40 | 19 | RO | 11,83 |
19 | PCdoB | 10,99 | 20 | SC | 11,30 |
20 | PL | 10,88 | 21 | SP | 11,01 |
21 | PDT | 10,76 | 22 | PR | 10,97 |
22 | PSC | 10,38 | 23 | MG | 10,91 |
23 | PCB | 8,33 | 24 | PE | 10,36 |
24 | PTN | 6,67 | 25 | RJ | 9,21 |
25 | PCO | 0,00 | 26 | ES | 7,82 |
26 | PSTU | 0,00 |
Questões partidárias
Os partidos políticos são fortemente responsáveis pela sub-representação feminina. Possuidores de estruturas sexistas, dificilmente incorporam as mulheres em igualdade de condições com os homens, principalmente nos postos de direção. A discriminação em razão do sexo neste espaço é recorrente, pois se trata de um terreno historicamente dominado pelos homens. É grande a resistência dos mesmos em incorporar as mulheres em seus quadros e oferecer o mesmo tipo de apoio que oferecem aos homens, principalmente financeiro. As mulheres candidatas, geralmente, não competem de igual para igual, não recebem recursos e suporte partidário suficientes e também não têm tempo integral para a campanha. A destinação de recursos do fundo partidário e o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais são ações que deveriam ser mais discutidas e levadas a sério pelo Estado, pela sociedade e pelos partidos políticos. Cabe também ao movimento feminista maior engajamento nestas questões.
Foi possível verificar, nestas eleições, que os pequenos partidos, onde há menor competitividade interna, tendem a lançar como candidatas e a eleger um número de mulheres com proporções mais igualitárias em relação aos homens. Alguns pequenos partidos como PRTB, PAN e PTdoB conquistaram o maior percentual de vereadoras eleitas em relação aos homens. No entanto, outros como PCO e PSTU, não elegeram nenhuma mulher em todo o País. Grandes partidos como PT, PSDB, PMDB e PFL, também elegeram acima da média nacional, 12,6%.
Prefeitas eleitas
Com os resultados finais, tivemos uma boa notícia quanto ao número de prefeitas eleitas, que obteve um crescimento absoluto de 90 cadeiras. Em 2000, foram eleitas 317 mulheres (5,7% do total), e em 2004 passou-se para 407 prefeitas (7,3% do total). Constatamos um crescimento relativo de 1,6%, um pouco maior que o das vereadoras. Mesmo assim, ainda se elege muito mais mulheres para o legislativo, ficando a média do executivo bem abaixo.
Roraima, Alagoas e Rio Grande do Norte foram os Estados que mais elegeram prefeitas mulheres (ver tabela ao lado). No entanto, há uma diferença muito grande nas médias nacionais quando se trata do cargo de prefeita. Estados das regiões Sul e Sudeste apresentam um baixíssimo desempenho, se comparados às regiões Norte e Nordeste. Os piores índices estão em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais.
Em relação aos partidos políticos, também existe uma imensa discrepância. Essa diferença está presente mesmo entre os partidos pequenos. O PTN, PRTB, PRONA e PTC tiveram os melhores índices, enquanto PAN, PHS, PCB, PCO, PSDC e PSTU não elegeram nenhuma prefeita.
Obstáculos
O preconceito e os obstáculos sociais e culturais que dificultam a entrada da mulher nos espaços de poder político impedem que os países alcancem a democracia plena. O desequilíbrio na representação da diversidade da população nas assembléias federais e locais é um problema mundial. Trata-se de uma questão que não se refere apenas às mulheres. Importantes e numerosos grupos populacionais, como os negros, os jovens e os indígenas, são também excluídos, não sendo representados nos mecanismos de decisão. No caso d@s negr@s, não sabemos ao menos o número exato de candidat@s e de eleit@s, pois o TSE não registra este tipo de informação no cadastro dos candidat@s e, conseqüentemente, não fornece estatísticas a respeito.
Outro fator que dificulta demasiadamente o acesso das mulheres às câmaras e prefeituras é a não consciência da população em votar nas mesmas. O número de candidatas vem crescendo, mas o de eleitas, nem tanto. Isso reflete a resistência da sociedade em optar pelo diferente, por uma inovação e por um rompimento da cultura patriarcal. Se o ambiente político mostra-se como um campo repleto de interesses privados e de corrupção, o equilíbrio entre os sexos neste tipo de trabalho pode ser um excelente caminho para se alterar esse contexto.
Por fim, lembramos, mais uma vez, que o predomínio do modelo masculino e branco é um obstáculo para a consolidação da equidade universal e da democracia. A condução dos interesses da sociedade só será plena e o conceito de democracia só assumirá seu significado verdadeiro quando as políticas públicas e a legislação dos municípios e países forem decididas conjuntamente entre homens e mulheres, negr@s e branc@s, ric@s e pobres, com equidade, complementariedade e respeitando os interesses de toda a sociedade.
Prefeitas Eleitas
Rank | Partido | Percentual de prefeitas eleitas | Rank Estadual | Estado | Percentual de prefeitas eleitas |
1 | PTN | 40,0 | 1 | RR | 26,6 |
2 | PRTB | 16,6 | 2 | AL | 16,8 |
3 | PRONA | 14,2 | 3 | RN | 15,0 |
4 | PTC | 12,5 | 4 | AP | 12,5 |
5 | PL | 10,5 | 5 | TO | 12,2 |
6 | PCdoB | 10,0 | 6 | PB | 12,1 |
7 | PTB | 9,4 | 7 | SE | 12,0 |
8 | PTdoB | 8,7 | 8 | PI | 11,7 |
9 | PSB | 8,6 | 9 | MS | 11,5 |
10 | PRP | 8,1 | 10 | CE | 10,9 |
11 | PFL | 8,1 | 11 | MA | 10,1 |
12 | PSL | 8,0 | 12 | RO | 9,8 |
13 | PMDB | 7,4 | 13 | GO | 9,4 |
14 | PPS | 6,2 | 14 | AC | 9,0 |
15 | PP | 6,1 | 15 | PA | 8,4 |
16 | PSDB | 6,1 | 16 | BA | 8,1 |
17 | PT | 6,0 | 17 | ES | 7,8 |
18 | PDT | 5,6 | 18 | RJ | 6,9 |
19 | PV | 5,4 | 19 | PR | 5,8 |
20 | PSC | 4,0 | 20 | PE | 5,4 |
21 | PMN | 3,2 | 21 | AM | 4,9 |
22 | PAN | 0,0 | 22 | MG | 4,8 |
23 | PHS | 0,0 | 23 | SP | 4,7 |
24 | PCB | 0,0 | 24 | MT | 3,5 |
25 | PCO | 0,0 | 25 | RS | 3,4 |
26 | PSDC | 0,0 | 26 | SC | 3,0 |
27 | PSTU | 0,0 |
(1) Até o fechamento deste texto faltavam os resultados de sete municípios: Pilar e Coqueiro Seco (AL), Uarini (AM), Sebastião Laranjeiras (BA), Itaruma (GO), Esteio (RS) e Bela Vista do Toldo (SC).