O enfrentamento da violência contra as mulheres alcançou, nos últimos dez anos, visibilidade na sociedade civil brasileira e a atenção dos poderes públicos. Os movimentos de mulheres e feministas, desde a década de 70, denunciaram a violência contra as mulheres e exigiram, tanto do poder público quanto da sociedade, o reconhecimento de que "bater em mulher" não é um exercício de direito, mas, sobretudo, uma violação dos direitos humanos. Uma violência que, por suas especificidades, constitui um desafio para a sociedade e para os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. É um desafio por demandar a elaboração de políticas públicas que abordem, de forma articulada, os aspectos na área de segurança pública, saúde, justiça, trabalho; requer o aperfeiçoamento e novos mecanismos legais, justos e eficientes; exige, ainda, de noss@s magistrad@s e demais operador@s jurídic@s uma visão que rompa com o sexismo e o racismo vigentes no Direito para resolução dos casos de violência contra as mulheres.
No atual governo, o enfrentamento da violência contra as mulheres é a base de um dos três programas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM); é parte do Plano Nacional de Segurança Pública, sob a gestão da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que prevê o desenvolvimento do "Programa Nacional de Prevenção e Redução da Violência Doméstica e de Gênero"; de ações do Ministério da Justiça para o combate ao tráfico de seres humanos e do Ministério da Saúde, naquilo que a violência interfere na saúde das mulheres. Nesse artigo, por questão de espaço, nos deteremos no exame das ações desenvolvidas pela SPM. Porém, nos próximos números, continuaremos analisando a execução orçamentária das ações vinculadas aos outros ministérios.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, lançou, em 2003, o Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher - Plano Nacional, cuja elaboração considerou as experiências do movimento feminista e das ações governamentais anteriores. O Programa "reúne os conceitos, ações e recursos de todos os Ministérios e órgãos que aportam soluções e incidem sobre o problema da violência contra as mulheres e crianças, da exploração sexual e econômica destes setores vulneráveis e, sobretudo, da violência doméstica"1. Para tanto, considera que o enfoque de desenvolvimento de políticas públicas nesta área é recente, a articulação dos serviços e recursos, a integração dos profissionais e a constituição formal de redes de assistência são prioridades para sustentação de uma ação do Estado frente ao problema.
A rede de serviços (Redes de Cidadania) é a prioridade do programa, que articula e reúne esforços dos diferentes entes federados, da sociedade civil e dos movimentos sociais de mulheres. A rede comporta serviços nas áreas: jurídica, de proteção, social, saúde e segurança e os serviços e organizações que promovem a educação e a cidadania.
Dessa forma, as delegacias especializadas e as casas abrigo deixam de ser os principais espaços de conhecimento, amparo, recepção e resolução dos casos de violência contra a mulher. Essas duas políticas, criadas nas décadas de 80 e 90, como resposta às reivindicações do movimento de mulheres, se tornaram os dois grandes eixos de combate à violência contra a mulher.
O Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 contempla o programa Combate à Violência contra as Mulheres, onde estão previstas ações como o apoio a abrigos para mulheres e a serviços especializados de atendimento; avaliações regulares da atuação das Delegacias Especializadas da Mulher; e capacitação de profissionais de instituições públicas.
Com a proposta de revisão deste ano do PPA (em tramitação no Congresso Nacional), o programa passará se chamar Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres, apresentando os seguintes objetivos: lutar contra diferentes formas de violência contra as mulheres (física, sexual, doméstica, psicológica e violências simbólicas) e dar suporte àquelas em situação de violência e/ou de risco. Para sua execução, nos quatro anos, foi previsto o montante de quase 31 milhões de reais.
Para 2004, o programa teve a dotação inicial de R$ 10.760.000,00. Até o dia 10 (dez) de outubro, deste total, foram empenhados ou comprometidos 34,80% e somente 28,80% foram pagos. A análise da execução deste programa se deterá às principais ações.
Como se pode ver no quadro ao lado, a ação de apoio a abrigos foi a que recebeu o maior montante de recursos. Do total autorizado, foram empenhados apenas 28,3%. Para o orçamento de 2005 não há previsão orçamentária para essa ação, o que pode ser explicado pela nova proposta do programa que é diversificar os serviços.
No caso da capacitação de profissionais de instituições públicas foram empenhados 41,7% da dotação inicial. Com a revisão do PPA, a ação foi ampliada para atender os profissionais da rede privada, porém, para 2005, o valor é menor do que o de 2004.
Para a ação de apoio a serviços especializados de atendimento, da soma autorizada para 2004, somente 42,16% estão empenhados. Como anteriormente mencionado, esta ação passa a ser a de maior importância no Programa, pois para 2005 está previsto 39,6% do total do orçamento do programa, significando quatro vezes mais do que foi gasto em 2003.
Além das ações mencionadas, o orçamento de 2005 também conta com uma nova ação de apoio a projetos educativos e culturais de prevenção, com previsão de R$ 822.234,00.
É importante ressaltar que para a realização da análise da execução orçamentária nos deparamos com alguns limites. Saber se os recursos destinados ao Programa são suficientes para combater a violência contra as mulheres é uma tarefa quase impossível. Ainda não temos possibilidade de avaliar o alcance das políticas implementadas por falta de dados e informações e mesmo de indicadores que apontem a eficácia e suficiência da ação e dos recursos implementados.
A falta de transparência e o não acesso às informações produzidas pelo governo são um empecilho para se produzir análises mais próximas da realidade dos gastos efetuados.
Esta tem sido a crítica das instituições governamentais com relação às análises dos gastos que as diversas organizações têm produzido. Para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres a análise feita pelo CFEMEA subestima a execução do Programa em questão. A SPM nos forneceu uma planilha que aponta uma execução de 54,78% até outubro, bem acima dos 28,8% calculados por nós. A diferença se deve ao fato de que trabalhamos com o acompanhamento da execução orçamentária feita e disponibilizada pela Câmara dos Deputados, em sua página na internet, e que faz o cálculo do que foi gasto em cima do que a Lei Orçamentária prevê. Já a SPM calcula o percentual de execução em relação ao que está liberado para gastar, retirando o que foi contingenciado pelo governo. Para o Programa de Combate à Violência, o contingenciamento foi da ordem de 3,6 milhões de reais. Está disponível no sítio da Secretaria um demonstrativo de sua execução do orçamento (www.mec.gov.br/spmu/tabela_ministra.pdf).
Apesar de todas estas dificuldades, podemos afirmar que uma execução orçamentária na ordem de 28,8% do principal programa de combate à violência contra a mulher, faltando dois meses para o final do exercício financeiro, se apresenta baixa. Mesmo se considerarmos os recursos já comprometidos ou empenhados que são da ordem de 34% continua uma execução abaixo do desejável para o décimo mês do ano.
Em tempos de política econômica de redução de gastos públicos, contraditória com as necessidades de enfrentamento das desigualdades sociais, é fundamental que os movimentos sociais, notadamente de mulheres, acompanhem a execução orçamentária daqueles programas e ações governamentais, que lhes interessem, e pressionem para que os recursos comprometidos pela lei orçamentária sejam gastos integralmente no exercício financeiro correspondente. Como vimos, é fundamental continuar a batalha para que o processo orçamentário seja democratizado e para que seja sempre possível o acesso às informações necessárias. Só assim pode-se acompanhar a execução orçamentária e avaliar a eficácia das políticas públicas com um maior grau de acerto.
Orçamento Mulher - Execução Orçamentária até 08/10/2004 e Projeto de Lei Orçamentária 2005
COD_ ACAO |
NOM_ ACAO | DOT. INICIAL |
CRED ADIC |
AUTORI-ZADO | EMPE-NHADO | LIQUI-DADO | PAGOS | PAGOS/ AUTO-RIZADOS | PLOA 2005 | PLOA 2005/ AUTORI ZADO 2004 |
156 | Combate à violência Contra as Mulheres (2004)/Prevenção e Combate à Violência Contra as Mulheres (2005) | 10.760.000 | (5) | 3.744.604 | 3.095.045 | 28,8 | 8.222.338 | (23,6) | ||
09GT | Apoio a Projetos Educativos e Culturais de Prevenção à Violência contra as Mulheres | 822.234 | - | |||||||
790 | Apoio a Abrigos para Mulheres em Situação de Risco | 4.710.000 | (2) | 4.709.998 | 1.331.901 | 1.181.901 | 25,1 | - | (100,0) | |
911 | Apoio a Serviços Especializados no Atendimento às Mulheres em Situação de Violência | 4.360.000 | (3) | 4.359.997 | 1.838.327 | 1.447.488 | 33,2 | 6.084.530 | 39,6 | |
2272 | Gestão e Administração do Programa | 340.000 | - | 340.000 | 11.361 | 11.361 | 11.361 | 3,3 | 246.670 | (27,5) |
6243 | Capacitação de Profissionais de Instituições Públicas atuantes no Combate à Violência contra as mulheres | 1.350.000 | - | 1.350.000 | 563.015 | 454.295 | 454.295 | 33,7 | ||
6812 | Capacitação de Profissionais para Atendimento a Mulheres em Situação de Violência | 1.068.904 |
(1) CAMARGO, Márcia, AQUINO, Silvia de. Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher - Plano Nacional: Diálogos sobre a violência doméstica e de gênero: construindo políticas para as mulheres. In : Políticas públicas estratégicas na proteção às mulheres. Brasília, SPM , p. 47.