Quase lá: Por que devemos ter um Estatuto da Igualdade Racial?

Lúcia Xavier
Coordenadora de CRIOLA, organização de mulheres negras do Rio de Janeiro, e do Programa de Voluntários das Nações Unidas

Porque o Brasil foi o principal destino de africanos trazidos na condição de escravos. Mais de 4 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil. No tempo do império 58% da população era afro-descendente.

Porque somos atualmente 45% da população brasileira e 67% dos mais pobres.

Porque desde que o primeiro africano que chegou no Brasil na condição de escravo, a população negra tem denunciado que o racismo é um dos pilares de sustentação de um sistema de exclusão. E que seus efeitos tem perdurado por gerações, condenando gerações de afro-descendentes à morte, à exclusão e ao isolamento político.

Porque as relações raciais no Brasil sempre foram tratadas em segundo plano, como questão menor, como caso de polícia. E os seus efeitos ignorados em nome do mito da democracia racial, que mascara até hoje a segregação de milhares de afrodescendentes.

Porque para cada 100 brancos que morreram assassinados (vítimas de homicídios), há 170 negros (soma de "pretos" e "pardos"). Se negros e brancos tivessem a mesma taxa de homicídios, 5.647 negros não teriam sido assassinados no Brasil, em um único ano. (Soares, Gláucio Ary Dillon, exposição A cor da morte, apresentada no seminário Violência e Racismo,Candido Mendes, setembro de 2000)

Por que os negros sempre foram tratados como cidadãos de segunda categoria. A eles foram destinadas as posições de subalternidade no mercado de trabalho, menor oportunidade no campo da educação, da saúde e de todos os direitos mínimos para o exercício de uma vida digna.

Porque há décadas a população negra tem denunciado os efeitos do racismo na sua vida, revelando a omissão do Estado e da Sociedade na busca de soluções efetivas para a inclusão social de milhares de afrodescendentes. Mesmo após a promulgação da Constituição de 1998 que além de preconizar igualdade de oportunidades a todos os brasileiros, independente de sexo, raça, etnia, estabelece que o racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Porque os territórios onde residem os remanescentes de quilombos até hoje não foram titulados. E porque, no meio urbano, os negros vivem em sua maioria em favelas e bairros periféricos, sem direito a saneamento básico e água potável.

Porque o trabalho doméstico é ainda o destino de milhares de meninas e mulheres negras que, até hoje, gozam de poucos benefícios trabalhistas, em relação aos trabalhadores em geral.

Porque a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, realizada pela ONU-Organização das Nações Unidas, em setembro de 2001, na África do Sul, foi um marco na luta contra o racismo e as outras formas de discriminação e intolerância vividas pelos grupos étnicos /raciais, especialmente pelas mulheres negras.

Porque, diferentemente das conferências anteriores, os países membros da ONU tiveram que vencer a resistência em tratar o tema e assumir o protagonismo na luta contra o racismo, condenando o tráfico transatlântico e a escravidão como crimes de lesa a humani-dade.

Porque, como resultado deste processo, os países signatários da Declaração e Plano de Ação de Durban reconheceram que o racismo e a discriminação racial constituem graves violações de todos os direitos humanos e obstáculos ao pleno gozo destes direitos. E que é preciso fazer frente a esta situação utilizando todos os mecanismos e recursos necessários para a realização dos direitos, inclusive utilizando o instituto da Reparação.

Porque o Brasil, segunda nação negra do mundo, deve promover ações que combatam o racismo, a discriminação racial e assegurem o pleno gozo de todos os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, os quais são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados para a população.

Porque precisamos mudar o Brasil para melhor.

Para ler a íntegra do Estatuto da Igualdade Racial, acesse www.senado.gov.br/paulopaim.


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