Até o mês de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá indicar três nomes para o Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque três ministros irão se aposentar: Moreira Alves - 19 de abril; Sydney Sanches - 26 de abril; e Ilmar Galvão - 2 de maio.
Dentre as pessoas que estão lançando seus nomes para concorrer a uma vaga no STF, há candidatas que possuem trajetórias marcadas pelo compromisso com o movimento feminista e de mulheres. É o caso da Doutora Adna do Nascimento, juíza do Tribunal Regional do Trabalho de Salvador (BA); e da Doutora Salete Maccaloz, juíza federal e professora de Direito do Trabalho, da UERJ.
Em entrevista ao jornal Fêmea, elas falaram sobre a presença feminina no Judiciário, a igualdade entre homens e mulheres nos Tribunais e os principais obstáculos encontrados pelas mulheres que pretendem fazer carreira jurídica, entre outros assuntos.
A seguir, os principais trechos das entrevistas:
Entrevista com a doutora Adna do Nascimento
CFEMEA - Qual a importância da indicação de mulheres para as próximas vagas que irão surgir no STF?
Dra. Adna - Hoje, as mulheres são 51% da população brasileira. Então, como tal, têm legitimação para ocupar todas as instâncias em todos os poderes. A visibilidade das mulheres é importante para a afirmação da cidadania feminina.
O outro ponto é que hoje as carreiras jurídicas, por sua forma democrática de acesso, são as que têm permitido às mulheres a ocupação do Judiciário em todas as suas esferas. A presença feminina no STF contemplaria e representaria essa mulher que hoje é numericamente significativa dentro da OAB, do Ministério Público etc. Seria uma visibilidade democrática.
A presença no Supremo também seria uma forma de elevar a auto-estima da mulher brasileira. Como é um Tribunal de Cúpula, representativo de um poder, a participação feminina mostraria que as mulheres podem estar em todos os locais públicos. Isso quebraria o modelo masculino do Poder Judiciário.
Hoje, a presença de só uma ministra no STF é como se fosse um fato inusitado. Então essa idéia iria acabar naturalmente. A presença de mulheres no Supremo seria a vitória das possibilidades, um farol.
Entretanto, as mulheres que chegarem lá devem ser juízas com perfil de mulher. Essa é uma reflexão que eu tenho feito. Eu tenho tido essa postura com minhas colegas do Tribunal por entender que sendo um modelo masculino, o Poder Judiciário tem que receber essa contribuição. É uma contribuição que as mulheres que estão chegando têm que dar.
Isso não quer dizer que ela vai entrar em guerra de sexo. Não é isso. É que, simplesmente, ela tem que ser mulher em todas as instâncias. Se ela for uma parlamentar, que seja parlamentar com perfil de mulher, que ela não copie o modelo masculino. Que ela seja uma juíza, ministra, deputada ou senadora com perfil de mulher, porque é assim que ela vai contribuir.
CFEMEA - Que avaliação a senhora faz em relação à igualdade entre homens e mulheres no Judiciário?
Dra. Adna - O Judiciário é uma instância em que a mulher tem condição maior de igualar-se. Ela tem conhecimento do ordenamento jurídico, ela domina as leis, o que lhe dá possibilidade de atuar diante das normas jurídicas. Então ela tem condição, por conhecer o direito, de exercitar melhor a sua cidadania. Eu acho que as mulheres, dentro do Judiciário, são como um farol para as outras que estão de fora. Porque conhecendo, aplicando a lei, elas vão consolidando a cidadania, vão estruturando uma forma diferenciada e que venha resgatar a mulher oprimida, a mulher que não conhece seus direitos, a mulher que histo-ricamente vem sendo considerada como cidadã de segunda categoria.
Eu creio que a mulher, no Judiciário, é o grande farol para a mulher brasileira vir a entender que é igual ao homem, que nós estamos presentes na lei e na vida.
CFEMEA - É necessário algum mecanismo para se garantir a participação de mulheres no Judiciário?
Dra. Adna - Eu não acho que seja preciso instituir cotas para o Judiciário. Primeiro, porque é significativo o número de mulheres que estão nas primeiras instâncias dos Tribunais, e até em segunda instância. Então, numericamente a coisa vai desaguar nos Tribunais Superiores, porque o número de juízas tem sido superior ao dos juízes. Naturalmente isso vai acontecer.
Além disso, nós vivemos um momento privilegiado, sobretudo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para o qual as mulheres contribuíram. Logo, a presença feminina vai acontecer naturalmente porque são instâncias que dependem de alguma votação ou escolha pessoal do presidente da República, que tem um perfil democrático, sensível à realidade brasileira.
Eu acho que não é necessária a cota, mas sim essa abertura democrática, o desejo das mulheres sentirem-se legitimadas.
Entrevista com a doutora Salete Maccaloz
CFEMEA - Qual a importância da indicação de mulheres para as próximas vagas que irão surgir no STF?
Dra. Salete - É muito importante que nós tenhamos muitas mulheres lá dentro. Isso significa a democratização do Judiciário.
O Supremo é uma instituição que, na composição do Estado, é responsável pela aplicação e fiscalização do cumprimento de uma ordem jurídica, que começa pela Constituição e vai até todas as leis, jurisprudências etc. A feitura e a aplicação dessas leis têm sido majoritariamente masculina, porque o acesso das mulheres a essas instituições é tardio e a maior parte das que chegam não têm cabeça de mulher, a visão pelo ângulo, pelo sentimento, pela sensibilidade feminina. É aquela questão: não basta apenas ser mulher.
Também seria importante que nessa seleção, o processo de escolha de um nome pela Presidência da República fosse mais aberto para que existisse espaço onde fosse possível mostrar quais são as pessoas que estão mais habilitadas. Em princípio, brigamos por uma vaga, lutamos por mais mulheres. Mas, no segundo momento, se luta por mais mulheres politicamente comprometidas com o movimento de mulheres. Claro, sem esquecer a matéria do dia-a-dia, os julgamentos, a matéria jurídica. Mas, que ao fazer aquela leitura jurídica cotidiana, também se faça por um ângulo e por uma sensibilidade feminina, comprometida com a busca da igualdade política, social e econômica dos sexos nesse país.
CFEMEA - Que avaliação a senhora faz com relação à igualdade entre homens e mulheres no Judiciário?
Dra. Salete - Há menos de 40 anos, as primeiras mulheres começaram a entrar em carreiras como promotor de justiça, juiz, procurador. Grada-tivamente, os estados foram abrindo para a magistratura estadual, mais tarde para a promotoria, depois vieram as procuradorias e depois na chamada magistratura federal. Os primeiros juizes federais foram nomeados em 1967. Entre 20, já havia uma mulher, e de nomeação na ditadura militar.
Paulatinamente, o número de mulheres dentro das chamadas carreiras jurídicas foi aumentando. De tal sorte que hoje a gente já tem um reflexo. Na magistratura estadual, nós temos estados como o Maranhão onde o número de juízas é maior do que o de homens. Também ocorre o mesmo no Pará.
Nós sabemos que se continuar existindo concurso, as mulheres terão cada vez mais chances de assumir esses cargos, porque são mais disciplinadas, mais estudiosas.
No caso das promoções, remoções e da chamada progressão, há o critério posto na Lei, de antiguidade e merecimento. O critério de antiguidade é mais objetivo, independente de sexo. Daí porque em vez de sugerir cotas, um dos nossos critérios é que as promoções sejam todas por antiguidade. Isso porque quando se cai no critério do merecimento, o chamado critério político, é preciso fazer uma lista tríplice e aqueles escolhidos passam por todo um jogo de pedidos, de apoios. Nesse caso, as mulheres perdem, porque elas não foram treinadas para a disputa. A mulher foi treinada para ficar mais acomodada, esperar sua vez.
CFEMEA - A senhora acha que são necessárias outras medidas dentro do Judiciário para se garantir a presença feminina?
Dra. Salete - Acho que não é o caso da cota para as mulheres. Se o concurso público for honestamente administrado, elas se garantem. Mas quando entra o critério político, dá para se pensar uma questão dessa natureza. No critério de merecimento, poderia ser uma alternância entre homens e mulheres.
Mas estas coisas estão postas na Lei. Nós precisamos, primeiro, de uma grande campanha de mudança da lei, onde nós vamos encontrar muita má vontade nesse sentido, porque os cargos no Judiciário de 2o grau em diante são cargos eminentemente políticos e eles não vão querer limites que diminuam o seu poder.