Presidente da Câmara, Arthur Lira, é o maior alvo do ato. Parlamentar aprovou, em votação relâmpago, o regime de urgência do projeto que altera o Código Penal e estabelece a aplicação de pena em casos de aborto em fetos com mais de 22 semanas.
Por Léo Arcoverde, Letícia Dauer, g1 SP e GloboNews — São Paulo
Manifestantes protestam na tarde deste sábado (15) na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, contra o projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio simples.
O texto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), altera o Código Penal e estabelece a aplicação de pena nas situações em que a gestante:
- provoque o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa lhe provoque; pena passa de prisão de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos;
- tenha o aborto provocado por terceiro com ou sem o seu consentimento; pena para quem realizar o procedimento com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o aborto sem consentimentos, hoje fixada de 3 a 10 anos.
Com início às 15h em frente ao Masp, o protesto conta a participação de mais de 50 grupos da sociedade civil e de entidades que lutam pelos direitos humanos.
Manifestantes se reúnem na Avenida Paulista contra a PL do aborto — Foto: Léo Arcoverde/GloboNews
A organização do ato estima que aproximadamente 5 mil pessoas, em sua maioria mulheres e jovens, ocupam todas as faixas da Avenida Paulista, no sentido Consolação. A previsão é que os manifestantes desçam a Rua Augusta e caminhem até a Praça Roosevelt.
"Criança não é mãe", "Abaixo ao PL 1904", "No estupro a mulher é a vítima" e "Abaixo estupradores" são alguns dos cartazes exibidos pelos manifestantes.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), é o principal alvo da manifestação. As menções ao parlamentar alagoano são frequentes nos discursos e estão em parte dos cartazes usados na manifestação.
Protesto na Paulista contra PL que equipara aborto a homicídio — Foto: Ettore Chiereguini/AP
Lira fez uma votação relâmpago nesta quarta-feira (12), e aprovou a tramitação em regime de urgência. Com isso, o projeto será votado diretamente no plenário da Casa sem passar por análise de comissões relacionadas ao tema do projeto.
Para Ana Luiza Trancoso, integrante do coletivo Juntas e da Frente Estadual Pela Legalização do Aborto, o objetivo do protesto é fazer com que o PL 1409 seja arquivado. "É um projeto de lei absurdo que não deve ser nem discutido."
O músico Tony Bellotto, do Titãs, também participou do protesto. "Acho fundamental a gente se manifestar contra esse absurdo, isso é uma lei contra as mulheres, é uma coisa inaceitável, a gente precisa respeitar as mulheres. A interrupção da gravidez é um direito das mulheres, um bando de homem lá querendo dizer o que as mulheres devem fazer, eu estou indignado", declarou.
Manifestantes se reúnem em frente ao Masp — Foto: Gabriel Silva/Estação Conteúdo
Aborto previsto em lei
O aborto é crime no Brasil, mas existem três situações em que ele é permitido. São os casos de aborto legal:
- anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto;
- gravidez que coloca em risco a vida da gestante;
- gravidez que resulta de estupro.
Para os casos de gravidez de risco e anencefalia, é necessário apresentar um laudo médico que comprove a situação. Além disso, um exame de ultrassonografia com diagnóstico da anencefalia também pode ser pedido.
Já para os casos de gravidez decorrente de violência sexual - e estupro engloba qualquer situação em que um ato sexual não foi consentido, mesmo que não ocorra agressão -, a mulher não precisa apresentar Boletim de Ocorrência ou algum exame que ateste o crime. Basta o relato da vítima à equipe médica.
Apesar de parecer simples, não é. Mesmo que não seja necessário "comprovar" a violência sexual, muitas mulheres (e meninas) sofrem discriminação nos serviços de saúde na hora de buscar o aborto legal.
"Há muitos questionamentos quando a mulher relata que foi vítima de violência sexual. A legislação não exige que se faça o registro de ocorrência, só é preciso seguir um protocolo no serviço de saúde. Mas muitas mulheres sofrem discriminação por exercer esse direito, têm a palavra invalidada, tanto no serviço de saúde quanto em delegacias", afirma Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Quando decidem impor uma "data limite" para que as vítimas de violência sexual procurem o aborto previsto em lei, estão invalidando todas as questões que envolvem a tomada de decisão.
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Descriminalização do aborto no Brasil
O aborto é crime no Brasil e a regra prevê que a mãe e os demais envolvidos no procedimento podem ser processados.
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a ação para descriminalizar o aborto feito por mulheres com até 12 semanas de gestação. A ministra Rosa Weber era relatora do processo e registrou seu voto a favor da descriminalização. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, pediu destaque no julgamento e a votação foi suspensa.
Em fevereiro, Barroso disse em entrevista que o STF não julgará a ação neste momento. Para ele, não cabe neste momento ao Supremo decidir sobre uma prática que a maioria da população é contra e o Congresso também expressa esse sentimento.
Mulheres voltam às ruas em São Paulo para derrotar PL da Gravidez Infantil
Pela segunda vez na semana, a avenida Paulista foi palco de um protesto contra projeto que equipara aborto a homicídio
Um ato contra o projeto de lei (PL) que criminaliza o aborto legal, batizado de PL da Gravidez Infantil, ocupou a avenida Paulista na cidade de São Paulo, neste sábado (15). A manifestação desceu a rua Augusta em direção ao centro da cidade.
O PL 1904/2024 prevê a mesma pena aplicada ao crime de homicídio para interrupções de gestações com mais de 22 semanas, mesmo para casos previstos em lei.
Desde a última quarta-feira (12), o texto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Com isso, não precisa passar por nenhuma comissão e pode ser votado diretamente em plenário.
A professora Marcia Carvalho esteve no protesto em São Paulo. Ela pontuou o caráter de retrocesso que permeia o projeto.
"Temos que derrubar esse PL. Não podemos retroceder dos direitos pequenos que já conquistamos. Todas as mulheres têm que estar nas ruas neste momento. Não dá para acreditar que os extremistas de direita estejam colocando isso em pauta com tanta coisa que tem para resolver no país."
O PL estabelece punição de 6 a 20 anos de prisão para abortos acima de 22 semanas de gestação. A discrepância com as penas aplicadas a estupradores – de 6 a 10 anos –- também é duramente criticada.
Ele é chamado de PL da Gravidez Infantil por atingir principalmente crianças vítimas de estupro. Em 2022, elas representaram mais de 60% das vítimas desse tipo de crime, que na maior parte das vezes acontece em casa e tem autoria de familiares.
Daniela Abade, que é escritora e também participou do ato, ressaltou a inconstitucionalidade da proposta.
"Seria um absurdo criminalizar uma menina, uma mulher que foi estuprada, que sofreu um crime inominável e ela ser condenada por mais tempo que o próprio criminoso. Temos que começar a tentar reverter essas leis arcaicas que o Brasil ainda tem. Quem está lutando a favor desse projeto de lei está lutando pela morte das mulheres."
A decisão da Câmara de acelerar a tramitação do PL tem gerado manifestações em todo o país desde a quinta-feira (13).
Movimentos populares, organizações de defesa dos direitos das mulheres e população em geral condenam o acordo entre a bancada evangélica e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para pautar o tema.
Jéssica Lourenço, técnica em enfermagem que se juntou ato em São Paulo neste sábado (15), enxerga um viés de desestabilização do governo no processo.
"Pelo que eu vi nas redes sociais eles apressaram mais para desestabilizar o governo, do que por interesse de verdade nas vidas que eles dizem que vão salvar. Sabemos que, depois que nasce, eles não se importam mais. Eles têm que saber que não concordamos, que as pessoas não concordam com isso."
As repercussões levaram Arthur Lira a dar declarações de que o texto não deve entrar na pauta em curto prazo. Ele também afirmou que pretende escolher uma mulher para relatar o PL.
Ao participar da manifestação em São Paulo, a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) afirmou que a única saída aceitável é o arquivamento do projeto.
"Não podemos aceitar essa cantilena enfadonha de sentar em cima do projeto e depois fazer um projeto que tem uma pena menor. Nós precisamos exigir o arquivamento desse projeto. A expectativa que eu tenho é enterrar esse projeto. Vejo que a extrema direita e o centrão vão tentar tirar da pauta agora e ganhar tempo."
Também no ato, a deputada federal Juliana Cardoso (PT) pontuou que a manifestação fortalece o enfrentamento político da pauta.
"Quando a rua se mobiliza, quando as mulheres feministas se mobilizam, elas fortalecem a nós, que estamos nesse espaço tão machista, tão hostil, para um enfrentamento muito mais intenso. Esse projeto de lei não pode passar, ele tem que ser arquivado."
Edição: Thalita Pires
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