Cida, como é conhecida, nega que esse seja um tema interditado no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas recomenda cautela para que as mulheres "não tenham perda de direitos".
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A ministra das Mulheres, Aparecida Gonçalves, 60, admite risco de derrotas caso o debate sobre o aborto seja submetido ao Congresso Nacional eleito em 2022.
Cida, como é conhecida, nega que esse seja um tema interditado no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas recomenda cautela para que as mulheres "não tenham perda de direitos".
"Da forma como está colocado hoje pelo Congresso e da forma como está sendo convocado pelo Senado, qualquer discussão sobre aborto, nós vamos perder mais do que nós vamos avançar", afirma Cida.
"O que for possível avançar, nós vamos avançar. Agora se for para retroceder é melhor a gente assegurar o que está garantido em leis", diz.
Atualmente, o aborto é considerado legal no Brasil em casos de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna.
A ministra afirma que conta com o apoio do presidente Lula e que acredita que ele será "um grande aliado" --inclusive para questões referentes ao orçamento da pasta.
PERGUNTA - Na pré-campanha, o presidente Lula afirmou que aborto era uma questão de saúde pública e essa declaração foi usada por adversários como munição. Depois, ele se posicionou contra o aborto. Esse será um tema interditado no governo?
CIDA GONÇALVES - Eu acredito que não. Mas a grande questão é de que ponto de vista você vai olhar [para o tema], enquanto governo. Nós vamos lutar para que as mulheres não tenham perda de direitos. E da forma como está sendo colocado hoje pelo Congresso e da forma como que tá sendo convocado pelo Senado, qualquer discussão sobre aborto vamos perder mais do que avançar. Essas são questões a serem analisadas pelo governo.
Para nós a questão do aborto é uma questão de saúde pública. É importante pensar que nós estamos terminando um ano em que o Estatuto do Nascituro estava aí no Congresso e nós quase perdemos. Se nós tivéssemos perdido ali naquele debate, o aborto teria sido encerrado de todas as formas. O que for possível avançar, nós vamos avançar. Agora se for para retroceder é melhor a gente assegurar o que está garantido em leis.
A senhora entende que às vezes é preciso dar um recuo para poder avançar?
C. G. - Isso. Porque você tem que perceber, saber fazer uma análise. Não é você, é as mulheres, que são 52% da população. Então eu posso ter uma posição pessoal, mais avançada, mas essa minha posição vai ajudar com que todas as mulheres tenham direito ou não? Qual é a conjuntura que está colocada? Se você coloca em pauta um debate que avança na sociedade, mas que o Congresso retrocede, você faz com que todas as mulheres deste país percam. Precisa ter um equilíbrio para saber qual é o momento que você avança.
Como faz para dialogar com mulheres que são alinhadas ao discurso bolsonarista?
C. G. - Nós vamos ter que dialogar com todas as mulheres. O Estado brasileiro e o governo têm que elaborar políticas públicas. Então quando nós ampliarmos o número de delegacias especializadas, as delegadas não vão perguntar 'você votou no Lula ou você votou no Bolsonaro?', 'você vai na igreja ou você não vai na igreja?'. Não vamos fazer uma disputa ideológica como foi colocada. Não é essa a intenção, a disputa ideológica terminou com as eleições.
Na campanha, Simone Tebet [MDB] defendeu a pauta de equidade salarial, que, inclusive, foi incorporada pelo presidente Lula no programa de governo. Como isso vai avançar?
C. G. - Essa é uma preocupação do presidente. Ele tem como uma das grandes preocupações a questão da igualdade salarial, a questão do enfrentamento da violência contra as mulheres e o combate à fome. A fome pega, principalmente, as mulheres.
Quais as propostas que a senhora tem para o combate ao feminicídio?
C. G. - O primeiro debate a ser feito são estes três elementos: como você investiga, como é que você previne e como é que você julga. Primeiro nós precisamos acabar com a sensação de impunidade nesse país. Violência doméstica, violência familiar ainda é impune.
O que torna o feminicídio tão grave? É porque ele é um crime que pode ser evitado. Quando as mulheres denunciam, se você tem uma estratégia, você pode evitar. É uma política com a Segurança Pública que nós vamos ter que discutir com [o ministro] Flávio Dino. Segundo, é implementar a Lei Maria da Penha no país. Ela precisa estar lá no município de 5.000 habitantes, no município de 20 mil habitantes.
Associa-se o aumento do feminicídio à circulação de armas na sociedade. A senhora defende por exemplo uma nova campanha de desarmamento?
C. G. - Eu defendo. Primeiro concordo com Flávio Dino, tem que revogar a lei do armamento. E o segundo ponto é fazer uma campanha de desarmamento, trabalhar com a população de que a arma não resolve o problema, a arma tem que estar na mão de profissionais treinados. Quanto mais aumenta o direito a posse de armas, mais aumenta o assassinato das mulheres. Essa é uma questão muito importante para nós, ela é fundamental. Ela é urgente. Além da urgência da campanha do desarmamento, nós temos que fazer uma uma campanha junto com ela de não ódio, de não misoginia.
A senhora tem o aval do presidente Lula para ampliar o orçamento?
C. G. - Quando ele me chamou para ser ministra ele disse 'você tem autonomia, fala comigo, vamos discutir, o que for necessário nós vamos fazer'. Eu acredito, sim, que nessa questão do orçamento nós podemos chegar onde nós temos que chegar, porque a grande questão orçamentária é a sua capacidade de execução. E a execução do ministério não é só o dinheiro que está na pasta dele. É o dinheiro que está na pasta dos outros.
A senhora se sente respaldada pelo presidente Lula para fazer esse tipo de cobrança a outros ministérios?
C. G. - Sim. Acredito muito que o presidente Lula fará isso. Acredito que os ministros também. Todas as vezes que a gente se encontra, eles já falam: 'Cida, vamos sentar, vamos montar estratégia, montar o planejamento'. Aqueles que derem mais trabalho, sim, o Lula vai com certeza me ajudar. A luta das mulheres não pode ser só das mulheres e é por isso que eu quero acreditar e acredito que o presidente Lula vai ser um grande aliado.
E o movimento de mulheres também pressiona.
C. G. - Como o movimento de mulheres tem me apoiado muito, elas vão me ajudar a cobrar também, né? Ele é muito forte no nosso país. Eu também não vou ter medo nenhum dizer 'gente, socorro, estou precisando de ajuda'.
Dos 37 ministérios do governo Lula, 11 serão comandados por mulheres, o que gerou críticas. Qual a avaliação da senhora sobre isso?
C. G. - É 11 só, mas se você for comparar o Bolsonaro a gente tem 100%, né? Comparado aos outros, a gente tem mais. O problema é que nós precisamos construir uma cultura da paridade, que nós não temos. Por mais que o presidente Lula queira ter mais mulheres, os ministros são indicados pelos partidos. A gente ainda não conseguiu destituir o conceito de poder que tá colocado nos partidos. Por outro lado, [no governo Lula] você vai ter mulheres em cargos chaves, como a Simone [Tebet] no Planejamento, as presidentes do Banco do Brasil e da Caixa.
Qual vai ser o papel da primeira-dama Rosângela Silva, a Janja? A senhora conta com o papel dela para ajudar nessa relação, inclusive com os ministérios?
C. G. - Eu conto porque é a Janja, não porque ela é a primeira-dama e não como a imprensa está dizendo que ela se intromete. Eu conheci a Janja antes de ela ser a mulher do Lula. Militando como profissional na Itaipu, é socióloga e é feminista. Eu acho que dificilmente uma mulher que tem essa trajetória não vá defender os direitos da mulher e não vá contribuir para que efetivamente as políticas para as mulheres avancem. Eu acredito na história da Janja, acredito no processo da mulher que ela se tornou pela história dela e pela conquista dela. Então eu espero sinceramente que sim.
Cida Gonçalves
Natural de Clementina, no interior de São Paulo, Aparecida Gonçalves, 60, é filiada ao PT, ativista e especialista em violência de gênero. Ela integrou o segundo escalão dos governos de Lula e Dilma Rousseff e construiu sua carreira política em órgãos dedicados a combater violência nas esferas estadual e federal.