Quase lá: Pauta feminina esbarra no conservadorismo

Pauta feminina esbarra no conservadorismo

Na Câmara, das 513 cadeiras, a bancada feminista ocupa 91, o que corresponde a 17,7% da Casa — um crescimento significativo, se considerar as 77 na legislatura anterior. Duas são mulheres trans. No Senado, a bancada feminina tem 11 representantes.

 

TAÍSA MEDEIROS - Correio Braziliense - 13/2/2023

Apesar das ações afirmativas e campanhas em busca da representatividade no Congresso Nacional, os avanços sociais andam a passos lentos. Essa foi uma das constatações do estudo encomendado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), divulgado em janeiro. O levantamento colheu posicionamentos de parlamentares em suas redes sociais, e o diagnóstico aponta que, em temas relacionados a direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, posicionamento sobre o cuidado, religião e posições antigênero, o grupo de parlamentares que assumiu o mandato neste mês é mais conservador do que nunca.

samia bomfim cb

A preocupação é que, com tantas divergências ideológicas, existam obstáculos para que pautas de gênero avancem nas casas. A estratégia é buscar pontos em comum entre os dois lados da polarização, que se refletiu no Parlamento. “Há muitas diferenças ideológicas nessa legislatura e, sem dúvida, os direitos das mulheres são sempre alvo de posições mais conservadoras. No entanto, é necessário fazer um esforço sobre pautas mais consensuais, como o enfrentamento à violência. Acredito que a luta pela igualdade salarial também ganhe força nessa legislatura, pois diferentes candidatos a defenderam durante a campanha”, avaliou a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP).

O estudo mapeou os perfis dos 513 deputados e deputadas federais e dos 81 senadores e senadoras eleitos em 2022 em relação às temáticas de gênero entre agosto e outubro do ano passado. A observação concluiu que o Brasil avança lentamente na busca pela diversidade dentro do Parlamento, apesar da criação da cota de 30% de vagas para mulheres, assim como a destinação de 30% dos recursos públicos eleitorais de acordo com critérios de gênero e raça. “Há essa manutenção da hegemonia masculina, e a perspectiva racial está colocada: 62% dos eleitos são brancos, com apenas 5% das pessoas identificadas como negras, e 0,9% indígenas”, ressaltou a assessora técnica e de articulação política do Cfemea, Jolúzia Batista.

Na Câmara, das 513 cadeiras, a bancada feminista ocupa 91, o que corresponde a 17,7% da Casa — um crescimento significativo, se considerar as 77 na legislatura anterior. Duas são mulheres trans. No Senado, a bancada feminina tem 11 representantes.

Cotas e recursos

A busca por representatividade feminina deve ser a pauta principal para a bancada feminina. “Pra mim está claro que só avançaremos se tivermos cotas claras sobre nossa participação”, frisou, ao Correio, a líder da bancada feminina do Senado, Eliziane Gama (PSD-MA). “Essa é uma legislação que é necessária para um tempo da história. A gente avançou até aqui, ainda a passos muito lentos, mas avançou graças a processos legislativos mais coercitivos, como o acesso a recursos orçamentários do fundo eleitoral para as campanhas”, exemplifica. Ela defende a aprovação de duas propostas de emenda à Constituição, relacionadas ao tema. Uma, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSol-SP), estabelece a participação obrigatória das mulheres nas mesas diretoras da Câmara e do Senado. A outra, da própria Eliziane, estabelece que, a cada eleição em que haja duas vagas em disputa para o Senado, uma seja necessariamente destinada a uma candidata mulher.

“No Congresso Nacional o nosso percentual (de representatividade) é baixíssimo. Ainda estamos muito atrás de países das Américas do Norte, do Sul e Central. Vejo que a gente precisa focar nisso e exigir das mesas diretoras da Câmara e do Senado para que essa pauta de fato possa avançar. Vou defender isso no colégio líderes e eu acredito que haverá sensibilidade do Senado nesse sentido”, afirmou.

Conservadorismo

A coordenação do estudo foi feita pela doutora em ciência política e pesquisadora em gênero, mídia e política da Universidade de Brasília (UnB) Denise Mantovani. O grupo utilizou uma ficha técnica com 34 perguntas objetivas para avaliar o conteúdo das redes sociais dos parlamentares, especialmente em relação à agenda feminista. Com isso, foram mapeados perfis de parlamentares de acordo com o conteúdo observado nas plataformas: posicionamento religioso, família, violência contra a mulher, aborto, dentre outros temas-chave.

Como metodologia, o estudo fez a separação em cinco grandes grupos para observar quais deles são mais identificados com as agendas feministas. O grupo armamentista, representado pela bancada da bala, por exemplo, usa como discurso predominante o lema “armar para proteger as mulheres da violência”.

O segundo grupo mapeado foi o religioso, personificado pela bancada da Bíblia. Entre os discursos predominantes estão o posicionamento “pró-vida”, vinculado às religiões católicas e evangélicas, com pautas antagônicas à agenda feminista. O terceiro grupo defende a agenda de costumes, da chamada “família tradicional”. Em seus discursos, o grupo concorda que o lugar da mulher é como mãe, cuidadora, dona de casa, e que só existem dois sexos, conforme a biologia. Por conta disso, é refratário à agenda LGBTQIA+. O quarto grupo é feminista e antirracista. Teve uma eleição pautada pela defesa dos direitos das mulheres e da diversidade sexual. Por último, o grupo daqueles parlamentares conservadores, mas que apoiam algumas lutas das mulheres, sobretudo contra a violência de gênero.

“Apesar de não reconhecerem situações interseccionais de vio- lências, podem ser considerados potenciais aliados para eventuais alianças estratégicas porque não adotam um discurso de rechaço às agendas por igualdade de gênero”, analisa o estudo.

Para as pesquisadoras, os dados são reveladores da realidade da política brasileira: o crescimento do neoconservadorismo e da extrema direita no Parlamento brasileiro. Segundo a avaliação delas, o risco fascista no Brasil tornou-se evidente depois dos atos extremistas de 8 de janeiro.

 

fonte: https://flip.correiobraziliense.com.br/edicao/impressa/4275/13-02-2023.html?all=1

 


 

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