Quase lá: Projeto de Macrodrenagem em Belém: o que mudou na vida das mulheres?

Maria das Graças de Figueiredo Costa
Assessora nacional de gênero da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)

Ninguém duvida que o Projeto de Macro-drenagem do Una, em Belém, mudou o desenho do espaço da cidade. Quem nasceu e viveu nas baixadas da capital paraense, participando de alguma organização de moradores sabe muito bem que este trabalho é uma grande conquista da luta do povo. A idealização do projeto vem do início da década de 90, quando os movimentos populares passaram a reivindicar, ao poder público, melhoria para as áreas de baixada onde reside mais da metade da população de Belém.

A proposta era melhorar as condições de vida das famílias que moravam nas áreas alagadas de Belém, tanto no que se refere à infra-estrutura como à habitabilidade. De acordo com pesquisas realizadas, o projeto beneficiaria mais de meio milhão de pessoas, que ganhariam vida nova aumentando, em pelo menos 5%, a qualidade dos serviços de saúde e habitação.

Entretanto, após o início das obras, o povo que vive nos bairros atingidos pelo Macrodrenagem percebeu que este projeto está custando caro para todo mundo. O financiamento do Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID) custa muito caro. Todos e todas vamos pagar pelas melhorias conquistadas. Para que o Macrodrenagem fosse executado, muitas famílias tiveram de ser deslocadas do lugar onde viviam para a chamada área da CDP (Companhia Docas do Pará), local onde foram reassentadas.

A FASE, parceira dessa luta por todos estes anos, quis com o seu trabalho, contribuir para refletir como o projeto o Macrodrenagem interferiu na vida das famílias deslocadas para a CDP. Mudou a vida para melhor? Como? O trabalho que as mulheres realizam, os papéis que desempenham na família e na comunidade e as experiências por que passam - diferentes das dos homens - foi levado em conta pelos executores do projeto?

Numa tentativa de responder estas questões, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional desenvolveu uma pesquisa, em parceria com o Programa de Apoio à Reforma Urbana - PARU/UFPA. Este levantamento deverá trazer à tona uma questão pouco tratada pelos movimentos sociais, pelo poder público e pelos bancos multilaterais como é o caso do BID. A seguir, um trecho do estudo.

Quais os impactos do reassentamento, sob a ótica das relações de gênero?

A análise dos dados revelou que mais da metade da população reassentada é constituída por mulheres: são 55%. A idade varia entre 25 a 44 anos. A pesquisa contribuiu para revelar aspectos importantes das relações de gênero. O primeiro diz respeito aos impactos no espaço privado da casa, da família, da divisão sexual do trabalho.

O reassentamento contribuiu de algum modo para a alteração dos papéis sociais e a qualidade das relações, redefinindo assimetrias de gênero em algumas famílias. A situação de perda de renda, devido ao escasso campo de trabalho no novo local de moradia, fez com que muitas mulheres tivessem que assumir o papel de "provedora". Na pesquisa qualitativa há depoimentos que revelam o destaque para as relações de poder daí resultantes:

"para mim alterou porque aqui praticamente quem "bota" é ela, então tudo é no nome dela aqui, aí eu me sinto ruim, tem horas que eu sinto vontade de ir embora".

"antes eu não tinha necessidade de mexer no meu, porque era ele quem sustentava a casa, agora aí ele se sente humilhado, porque não está podendo mais fazer isso, com o pouquinho que eu ganho vou comprando o que falta para dentro de casa".

Outro fator diz respeito à uma incidência maior de conflitos e tensões no relacionamento das famílias causados especialmente pela questão da sobrevivência, gerando insatisfações tanto no homem como na mulher. Neste sentido, as pessoas revelam "que o problema não é só nosso, a maioria está sofrendo a mesma conseqüência, nós estamos mais agressivos um com o outro (...) o carinho dele acabou".

A questão econômica com a dificuldade de ocupação e geração de renda se abateu sobre a maioria das famílias, trazendo conseqüências negativas para a afetividade e o relacionamento doméstico. Em algumas delas, as condições geram tensões, violência doméstica e até separações, devido ao desemprego e à ausência de perspectivas econômicas para homens e mulheres.

Por outro lado, a falta ou a grande rotatividade das ocupações gera insegurança, expectativas e frustrações. Se de um lado isso tem exigido das pessoas um tempo maior fora do lar, afastando o casal, e estes de seus filhos e filhas, de outro tem obrigado uma permanência maior em casa, aliada às limitações financeiras.

Tentando melhorar o ambiente, as mulheres têm procurado se organizar nas associações de moradores e moradoras. Nas pautas está presente a luta por equipamentos e serviços, visto que estes asseguram infra-estrutura e conseqüentemente a implementação de políticas e direitos sociais nas áreas periféricas.


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