Quase lá: Trabalho: nenhum direito a menos

Dia 27 de abril é o dia d@s empregad@s doméstic@s. Mas pelo menos no campo legislativo as trabalhadoras não têm muito que comemorar. No mês passado, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 2104-16 que faculta @s empregad@s doméstic@s o acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e ao Seguro Desemprego.

A Lei torna mais difícil a aprovação do Projeto de Lei 1626/89 da então deputada, hoje vice-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva (PT-RJ), tramitando há 12 anos, que assegura @s doméstic@s os mesmos direitos das outras categorias. É importante lembrar que o emprego doméstico representa 17% do trabalho feminino, segundo estatística do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) de março de 2001.

Esta é uma expressão das mudanças que vêm ocorrendo nas relações de trabalho. O processo de Reforma Trabalhista tem como principal argumento o fato de que o Brasil deve rever os rígidos esquemas de proteção social d@s trabalhador@s e a própria legislação trabalhista, que torna os custos com a mão-de-obra muito altos. Para os defensores da Reforma, as mudanças são necessárias para se conseguir produzir produtos competitivos no mercado global e atenuar os impactos da reestruturação econômica.

Flexibilização de direitos

Como parte do Reforma, está em estudo, no Ministério do Trabalho, uma proposta de alteração do artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos sociais, acrescentando a expressão “ressalvadas as negociações coletivas” à lista dos direitos coletivos ali assegurados. A Constituição define que são direitos sociais: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Estão previstos no Artigo 7º: férias, 13º salário, descanso remunerado, multa rescisória e outros. O Art. 7º também garante alguns direitos exclusivos das mulheres como a licença à gestante, salário maternidade e a proteção do mercado de trabalho da mulher.

Na linha da flexibilização, a Reforma pretende acabar com a prevalência do legislado sobre o negociado. Os sindicatos de patrões podem negociar com o sindicato d@s trabalhador@s os direitos assegurados pela Constituição, como o direito a férias remuneradas com o pagamento de 1/3 acima do salário, por exemplo. Na legislação atual, as negociações têm que respeitar a proteção mínima assegurada nas leis e na Constituição. Entretanto, com a reforma anunciada, essa proteção mínima deixaria de existir nas negociações.

A idéia é prestigiar a negociação coletiva e a quebra da unicidade sindical. A Constituição determina que é vedada a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial. A descentralização e pulverização das negociações coletivas acabam restringindo os espaços de representação, diminuindo a base de representação sindical e a força para negociação.

“A retirada de direitos da legislação, deixando a sua conquista apenas para os processos de negociação, pode aumentar ainda mais as desigualdades já existentes. O direito de representação no local de trabalho sequer é garantido, colocando sempre o risco da demissão. Nesse sentido, jogar tudo para a negociação coletiva significará, para os setores menos organizados, a perda de direitos conquistados com muita luta”, analisa Maria Ednalva Bezerra de Lima, coordenadora da Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

A Secretária Nacional de Políticas para a Mulher da Força Sindical, Nair Goulart, observa que nas negociações coletivas as mulheres estão ausentes e suas reivindicações não são levadas em conta. “Um levantamento do Dieese mostrou que apenas 1% dos acordos coletivos trata da igualdade entre homens e mulheres”, lembra Nair.

O projeto ainda não foi para o Congresso Nacional, talvez devido a sua impopularidade. No entanto, alguns sindicatos alertam para a possibilidade de que esta reforma se faça aos poucos, através da aprovação de matérias que têm condições objetivas de aprovação, como é o caso do FGTS facultativo para @s empregad@s doméstic@s.

Outro ponto importante da reforma trabalhista é a restrição da ação da Justiça do Trabalho, que perderia parte de seu poder normativo e ficaria restrita às questões jurídicas. A Lei 8.959/00 cria as Comissões de Conciliação Prévia, que podem ser organizadas no âmbito da empresa ou da categoria, como primeira instância para a solução de conflitos empregador/a-empregad@ e pré-condição para o acesso à Justiça do Trabalho.

Mulheres

A discriminação das mulheres no mercado de trabalho ainda é gritante. Em relação à renda as mulheres ganham uma média de 64% do salário dos homens para a execução do mesmo trabalho, segundo pesquisa em seis metrópoles brasileiras realizada pelo Dieese, divulgada em março de 2001. As mulheres negras ainda ganham 37,6% menos que as mulheres brancas. A pesquisa da Força Sindical com trabalhadoras de várias categorias indica que 65% das mulheres apontam a questão da desigualdade salarial como o maior problema a ser enfrentado.

A pesquisa do Dieese mostra, também, que a proporção de mulheres (44%) em situações de trabalho vulnerável (sem carteira assinada, autônom@s que trabalham para o público, trabalhadores familiares não-remunerad@s e empregad@s doméstic@s) é significativamente maior que a proporção de homens (31%). “Isso demonstra a precarização e a flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil”, afirma Maria Ednalva.

Lea Santos, Coordenadora Nacional da Mulher da CGT(Central Geral dos Trabalhadores), acredita que “face à situação da mulher no mercado de trabalho, nós poderemos ser alvo preferencial das mudanças na legislação trabalhista que trazem a flexibilização de direitos trabalhistas, a exemplo do que hoje já ocorre”. A sindicalista frisa que as mulheres ainda são o lado mais afetado dentro de toda a vulnerabilidade da classe trabalhadora e seus sindicatos.

A reforma trabalhista está na ordem do dia das Centrais Sindicais. A CUT está mobilizando @s trabalhadores/as para exigir “terra, trabalho e direitos sociais”. Além de orientar os sindicatos para não aceitarem nos acordos, cláusulas sociais que diminuam ou venham a ferir direitos já garantidos.

A Força Sindical elegeu como principais reivindicações a questão do salário igual para trabalho igual, a luta contra a violência e a instalação e manutenção de creches. “O mercado abre espaço para as mulheres, mas em condições precárias. Nós lutamos muito para incluir as mulheres e as trabalhadoras rurais na elaboração desta Constituição. Queremos estender esses direitos, avançar, não retroceder”, explica Nair Goulart.

A posição da central SDS (Social Democracia Sindical) está colocada na publicação Um Novo Sistema de Relações do Trabalho: Proposta de Reforma da Legislação Trabalhista, que pode ser solicitada no endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

Campanha

A Bancada Feminina no Congresso Nacional também está discutindo o assunto. Nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, as parlamentares iniciaram a campanha Nenhum Direito a Menos, Direitos a Mais. A deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ) disse em discurso que “em perspectiva, o que estamos enxergando é a possibilidade de perda de direitos. Sabemos, historicamente quem é a primeira vítima dessa mudança”, referindo-se às mulheres.

“É importante juntar forças para não lutarmos sozinhas. Precisamos atrair a atenção de outros setores da sociedade para a necessidade de lutarmos por melhores condições de trabalho”, convoca Nair Goulart.


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