Quase lá: Desafio para as Políticas Públicas*

Delaine Martins Costa
Antropóloga e Coordenadora do Núcleo de Estudos Mulher e PolíticasPúblicas, do IBAM – Instituto Brasileiro de AdministraçãoMunicipal

Como governar com a perspectiva de gênero? Com certeza este é um dos principais desafios lançados, nas últimas décadas, para a gestão pública e particularmente para o Executivo Municipal. Os governantes, tanto prefeitos e prefeitas quanto vereadores e vereadoras, têm um compromisso com o desenvolvimento e a democracia. É nesse sentido que os (as) chefes do Executivo Municipal e parlamentares têm que estar atentos(as) às formas diferenciadas de participação de homens e mulheres no processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.

Algumas ações já vêm sendo adotadas pelos municípios brasileiros de modo a reduzir as desigualdades entre homens e mulheres e/ou institucionalizar o enfoque de gênero. Isto é, questionar as práticas institucionais que criam e reproduzem desigualdades sociais e de gênero e provocar mudanças.

Uma das principais atribuições do Município é formular políticas públicas escolhendo, entre as alternativas possíveis, os programas e os meios mais adequados à sua implementação. Entretanto, como são percebidas as necessidades da população feminina em face das políticas implementadas? Quais as ações formuladas para as mulheres? A Prefeitura deve realizar programas que atendam às necessidades das mulheres?

Estas foram algumas das indagações que motivaram a realização da pesquisa “Mulher e Políticas Públicas: O Papel dos Municípios”. A pesquisa foi realizada pelo Núcleo de Estudos Mulher e Políticas Públicas, do IBAM, com o apoio da Fundação Ford, compreendendo as ações municipais implementadas na gestão 1989/92.

Nas respostas sobre programas voltadas para o atendimento da população feminina foram identificadas as áreas em que se atribuiu maior ou menor visibilidade à mulher. Foram destacadas, sobretudo, ações relacionadas à saúde, treinamento de mão-de-obra, incentivo à associação de mulheres, nutrição e alimentação, assistência à criança e ao adolescente e manutenção de creches. Poucos foram os Municípios que relacionaram ações nas áreas de habitação, saneamento básico, serviços e equipamentos urbanos, abastecimento, agricultura, proteção ao meio ambiente, administração e política de pessoal da Prefeitura.

As iniciativas destacadas pelos Governos Municipais privilegiavam as necessidades práticas de gênero em contraposição às estratégicas. Referem-se à mulher ora em seu papel tradicional, de mãe e esposa dedicada, ora em processo de mudança rumo à conquista de seus direitos, ou ainda em compasso com uma modernidade que lhe confere autonomia tanto no domínio público quanto no privado.

Entretanto a maior parte das ações tendia a ser, direta ou indiretamente, associada ao campo das políticas de assistência social, prevalecendo a idéia de que as mulheres em si constituem um grupo beneficiário de tais políticas, ao invés de participante ativo do processo de mudança e de desenvolvimento.

Outro tipo de ação, menos conhecida e difundida, é a implementação da prática de planejamento para o gênero que se insere em uma nova tradição, considerando o potencial transformador do impacto do planejamento e sua capacidade de provocar mudanças. Este tipo de ação parte do reconhecimento da assimetria das relações entre homens e mulheres e tem por objetivo assegurar que as mulheres disponham de igualdade e equidade em relação aos homens e apresenta as seguintes características:

  • é uma atividade técnica e política.
  • assume o conflito como inerente ao processo de planejamento.
  • está relacionado a um processo de transformação.
  • assume o debate como uma atividade intrínseca ao processo de planejamento.

No caso de planejamento para o gênero, trata-se de lidar com o conjuntodas políticas públicas de modo a garantir que a igualdade de acesso e oportunidades seja um dos principais focos das ações dos distintos organismos da administração municipal.

Uma outra prática comum às administrações municipais, voltada para a institucionalização do enfoque de gênero, diz respeito à criação de organismos específicos para a mulher, tais como os Conselhos e as Coordenadorias Municipais dos Direitos da Mulher. Verifica-se que estes organismos têm enfrentado, com relativo sucesso, o desafio de estabelecer um diálogo com os demais órgãos governamentais e da sociedade civil no intuito de garantir que as políticas setoriais intervenham sobre a condição desigual confrontada pelas mulheres. Embora os Conselhos tenham feito o esforço de “transversalizar” o enfoque de gênero, influenciando o processo de tomada de decisão como um todo, o número de Conselhos e Coordenadorias ainda é bastante reduzido.

Vemos então que a incorporação da perspectiva de gênero, assim como suas diversas possibilidades de institucionalização, se efetua sobretudo quando consideramos que toda política governamental deve garantir a igualdade de acesso e de oportunidades para homens e mulheres.

Não se trata apenas de formular políticas ou programas exclusivamente para mulheres, mas sim de considerar que em todas as ações, tanto homens quanto mulheres vão sofrer um impacto diferenciado da política pública e que estes são os responsáveis pelas mudanças nas relações de poder, seja no âmbito interno ou externo ao governo local.

Saiba mais...

O conceito de gênero implica em uma relação, isto é, nas nossas sociedades o feminino e o masculino são considerados opostos e também complementares. Além disso, na maioria das vezes o que é masculino tem mais valor. Desta forma, as relações de gênero produzem uma distribuição desigual de poder, autoridade e prestígio entre as pessoas de acordo com o seu sexo. É por isso que se diz que as relações de gênero são relações de poder. Fonte: Cadernos SOS Corpo - O que é gênero.

(*)Versão resumida do artigo Desafio para políticas públicas. In: Revista de Administração Municipal – Municípios, Rio de Janeiro, Ano 45, n. 222, p.10-13, nov./dez, 1999.


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