Quase lá: Qual foi a reação do Congresso às manifestações

Jolúzia Batista
Socióloga e Assessora Parlamentar do CFEMEA

Muita gente foi às ruas em busca de uma mudança efetiva, mas será que isso aconteceu?

A reação do Congresso às manifestações não correspondeu à urgência e intensidade das ruas. Podemos avaliar que foi a reação necessária para não se colocar mais lenha na fogueira. A resposta veio na medida do interesse das principais forças que hoje estão organizadas no Congresso. Uma reação tímida e comedida, na perspectiva de atender as demandas sem apresentar maiores riscos ao cenário montado para as eleições de 2014. O maior exemplo foi o resultado do debate sobre a Reforma Política, que resultou numa minirreforma eleitoral, milimétricamente guiada para a manutenção dos que lá já estão. A proposta aprovada piorou o cenário das eleições, dificultando a possibilidade de democratização e renovação parlamentar, a partir das candidaturas menores.

A reação mais imediata (e duradoura) do Congresso foram as várias medidas instauradas do ponto de vista da segurança, na intenção deliberada de filtrar e conter a presença dos movimentos sociais no Congresso Nacional. Estão proibidas faixas e cartazes, e está limitada a entrada de pessoas interessadas em acompanhar os debates de determinadas questões. Cadeados, portas fechadas com correntes, alas de acesso restrito e segurança ostensiva, realizada pelas polícias militar, federal e legislativa.

PROJETOS QUE AVANÇARAM

Contudo, os principais partidos ligados aos movimentos de juventude e pressionados por estes, encontraram neste contexto uma boa oportunidade para desengavetar projetos esquecidos nas comissões, como por exemplo: Estatuto da Juventude e o projeto de Lei do Passe-Livre Estudantil.

ESTATUTO DA JUVENTUDE: Impulsionado pelas manifestações das ruas, o Projeto de Lei Nº 4.529/2004, que tratava do estatuto da juventude, tramitou rapidamente na casa, transformando-se, na lei ordinária Nº 12.852/2013, sancionada pela presidenta em agosto deste ano. O PL estabelece direitos para jovens entre 15 e 29 anos. Entre os principais pontos da nova lei estão: criação do Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE), e o estabelecimento de princípios e diretrizes para as políticas públicas. Criação da meia-entrada em eventos culturais e esportivos, à exceção, no entanto, da COPA 2014 e das Olimpíadas, reguladas pela Lei Geral da Copa. Foi vetado o artigo 11, que estabelecia meia-passagem para todos os estudantes até 29 anos. Foi mantida a reserva de duas cadeiras gratuitas para transporte interestadual, por ordem de chegada. A nova lei estabelece também a criação de conselhos estaduais e municipais de juventude.

PROJETO DE LEI 79/2011: Cria o Programa Nacional de Passe-Livre Estudantil, que beneficiará com isenção total do pagamento do transporte público coletivo, alunos do ensino público e privado. Desengavetada no calor das ruas, teve parecer favorável à aprovação na Comissão de Viação e Transporte da Câmara. O último despacho ocorreu na Comissão de Educação e Cultura, restando outras duas comissões para sua aprovação final.

PROJETOS QUE CAÍRAM

PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO-PDC Nº234: conhecido como “Cura Gay”, que previa tratamento para homossexualidade, autorizando psicólogos a realizarem práticas terapêuticas neste sentido. Extremamente polêmico, este projeto foi alvo de grande rechaço nas manifestações, o que pressionou a Bancada Evangélica a retirá-lo estrategicamente da pauta, impedindo que fosse derrubado pelo voto no Plenário da Câmara. A Bancada Conservadora prometeu trazê-lo de volta à Câmara após as eleições de 2014, quando preveem maioria na casa.

PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL

Nº 37: Em novembro de 2012, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda à constituição nº37/11, que restringia o poder de investigação do ministério público. Vista pelo judiciário como a “PEC da impunidade”, ela foi aplaudida pelos setores da segurança pública como a “PEC da legalidade”. A rejeição a esta PEC ganhou força nas ruas, uma vez que a proposta representava o enfraquecimento do combate à corrupção. Em 25 de junho, a PEC foi posta em votação, e rejeitada com 430 votos.

A AGENDA PRAGMÁTICA DO EXECUTIVO:

Em 24 de junho, a presidenta Dilma anunciou em rede nacional cinco pontos de um pacto nacional em atendimento às manifestações:

Responsabilidade Fiscal: O primeiro pacto apresentado pela presidenta foi por responsabilidade fiscal, estabilidade da economia e controle da inflação. Segundo a presidenta, o pacto pela preservação dos fundamentos da economia “é uma dimensão especialmente importante no momento atual, quando a prolongada crise econômica mundial ainda castiga as nações”.1

Saúde: O plenário do Senado aprovou, no dia 16 de outubro, o Projeto de Lei de Conversão 26/2013, que trata da medida provisória 621/2013 que criou o Programa Mais Médicos. No dia 22 do mesmo mês, a presidenta Dilma Roussef sancionou a Lei do Mais Médicos, que encaminha a contratação de profissionais brasileiros e estrangeiros para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões com déficit de atendimento, como periferias de grandes cidades, municípios do interior e regiões isoladas.

Transporte: A reivindicação da redução das tarifas do transporte coletivo foi o gatilho da onda de protestos. O Plano Nacional de Mobilidade Urbana foi redirecionado para privilegiar o transporte coletivo.

Educação: Considerado prioridade para o governo, o PL 323/2007, foi votado na madrugada de 26 de junho, no calor das manifestações. A tramitação deste PL ocorreu sob regime de urgência constitucional, e deliberou sob o uso dos recursos dos royalties e do Fundo Social do Pré-Sal, 75% para a educação e 25% para a saúde. A nova proposta, votada em forma de substitutivo ao PL 323/2007, alia o uso do Capital do Fundo em pelo menos 15 anos, após este período serão gastos os rendimentos do Fundo. O volume de recursos aprovados é de 2 bilhões em 2014, e 4 bilhões em 2015.

Reforma Política: reais mudanças no sistema político, que pudessem democratizar a representação política, combater a corrupção e a má versação dos recursos públicos, possibilitando maior transparência na gestão pública, foram o imperativo das ruas.

O governo, em atendimento a estas reivindicações e tensionado pela pressão popular, fez um esforço político e incluiu a pauta da reforma política entre os cinco pontos do pacto apresentado à sociedade brasileira, assumindo publicamente a proposta de realização de um plebiscito para que a população pudesse decidir os rumos do processo. No entanto, esta proposta foi rejeitada no Congresso Nacional, na própria base governista, em uma disputa polarizada entre PT e PMDB. O resultado foi compatível com a qualidade da representação política que temos hoje na Câmara, em que predominam os interesses fisiológicos da política. Os deputados não quiseram arriscar perder o domínio sobre o cenário eleitoral para 2014, e a minirreforma eleitoral enfatiza o quadro atual de desigualdades na disputa, privilegiando os atuais mandatos, restringindo a possibilidade de eleição de novas candidaturas.

Segundo as novas regras do jogo, a propaganda eleitoral está proibida de ser veiculada por meio de faixas, placas, cartazes ou bandeiras em residências e locais de particulares. Em locais públicos, como postes de iluminação e viadutos, também foi vetada qualquer propaganda eleitoral. Será limitada a contratação de cabos eleitorais e o uso de recursos como alimentação e combustível; cavaletes com propagandas em vias públicas estarão proibidos, pintura de muros de imóveis e o chamado “envelopamento” de carros particulares. Se pensarmos bem, algumas dessas novas regras afetam diretamente as candidaturas menores, que são precisamente o caso da maioria das candidaturas de mulheres e, especialmente, das candidaturas de mulheres feministas.

Em 2014, voltar a esquentar as ruas!

Depois da efervescência de junho e julho, vivenciamos mobilizações contundentes e importantes. A dos professor@s, no Rio de Janeiro, e a dos povos indígenas, em Brasília, ambas entre setembro e outubro. A repressão foi, outra vez, uma marca forte. Para 2014, ano de eleições e de Copa do Mundo, a expectativa é de que as ruas voltem a ferver.

E não será por menos. Um estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) ainda em elaboração indica, por meio de avaliações preliminares, que a composição atual do Legislativo pode sofrer renovação de 61% em 2014. Representantes de grandes bancadas apoiadas por setores econômicos fortes, como a dos evangélicos, do empresariado e dos ruralistas, preparam-se para voltar ampliadas na próxima legislatura.

Para impedir que sigamos rumo ao conservadorismo, as ruas terão que ser tomadas novamente, e com mais força, em 2014. Será preciso manter-nos acordad@s, atent@s e fortes para enfrentar o que ainda está por vir.


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