Enquanto as mulheres brasileiras se movimentam para discutir o direito ao aborto, denunciar as tentativas de retrocessos aos seus direitos e ampliar alianças com diversos setores dos movimentos sociais, categorias profissionais, representantes governamentais, parlamentares, profissionais da mídia, militantes de partidos políticos etc, segue em curso as tentativas de parte de parlamentares eleit@s de impedir a autonomia reprodutiva das mulheres.
A tática é a mesma: apresentar um grande número de propostas (cerca de 30 atualmente) que visam retroceder o que já temos ou mesmo aumentar a criminalização das mulheres, significando verdadeiros atentados aos direitos humanos das mulheres. Como defender a proibição do aborto mesmo em caso de risco de vida da mulher gestante? Ou igualar no rol de crimes o estuprador e a mulher que abortar fruto de um estupro? E se propor a “dar assistência à mulher” que engravidou de um estupro, rebaixando todo o sofrimento físico, psíquico dessa mulher ao recebimento de 1 salário-mínimo para a criança até completar 18 anos?
Mesmo com importantes dados de pesquisas recentes - como as realizadas pela ANIS, UnB e UFRJ, em parceria com o Ministério da Saúde, em 2008 e 2011 - que mostram que o aborto é um assunto corriqueiro na vida das mulheres, realizado por mulheres casadas, que já possuem filh@s, religiosas, que decidem em conjunto com seus parceiros, tais propostas vão na contra-mão da realidade brasileira. Criminalizar a prática, as mulheres e @s profissionais que o realizam não é a melhor forma de reduzir o número de abortos. É o que se vê nos exemplos dos países que legalizaram a prática.
Porém, mesmo com as tentativas contínuas de retroceder nossos direitos, as mulheres não cessarão de defender sua autonomia política, para que sejamos nós as protagonistas de nossos projetos de vida, denunciando a hipocrisia de quem ousa falar por nós na esfera pública, ora para defender políticas públicas que contam com a “responsabilidade” das mulheres (e de seu trabalho não remunerado) para garantir sua eficiência econômica, ora para dizer que “não somos responsáveis” para decidir que tipo de família, com quem e quantos filh@s queremos ter.
Às vésperas de mais um 28 de setembro, dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e Caribe, destacamos alguns momentos e acontecimentos relevantes para essa luta.
Nos dias 16 e 17 de agosto ocorreu em Brasília a Marcha das Margaridas, com a participação de cerca de 70 mil mulheres trabalhadoras do campo, da floresta e da cidade. A plataforma da Marcha deste ano contou com o tema “saúde pública e direitos reprodutivos” em um dos seus principais eixos, com destaque para a aprovação de proposta para garantir o direito ao aborto seguro para todas as mulheres que dele o necessitarem dentre suas prioridades.
No dia 18, cerca de 500 mulheres prestigiaram a audiência pública para discutir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no âmbito da Subcomissão Permanente em Defesa da Mulher do Senado Federal, realizada no Auditório Petrônio Portela. Após a audiência, foi realizada a Plenária da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto. A iniciativa da criação da Frente partiu dos movimentos feministas e de mulheres com o objetivo de ampliar as vozes e alianças com os demais movimentos sociais e setores democráticos da sociedade em prol da legalização, denunciar e barrar a crescente criminalização das mulheres, além de avançar na luta por autonomia reprodutiva e na mudança da legislação que criminaliza o aborto.
Tal evento também contou com a presença de parlamentares aliad@s e favoráveis à causa. Na ocasião, foi lançada a publicação “Advocacy para o acesso ao aborto legal e seguro: semelhanças no impacto da ilegalidade na saúde das mulheres e nos serviços de saúde em Pernambuco, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro”. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), a OAB/RJ e a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) do Ceará, que também estavam presentes, realizaram suas adesões à Frente. Foram também aprovadas moções de repúdio a diversos projetos de lei contrários aos direitos reprodutivos das mulheres que tramitam atualmente no Congresso Nacional, além de apresentadas sugestões à Plataforma da Frente e traçadas algumas estratégias para a ampliação da luta e para a legalização do aborto.
Nesse segundo semestre de 2011, sete anos depois de ser proposta, está também prevista a votação da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 54 no Supremo Tribunal Federal, que trata do direito de a mulher escolher interromper a gravidez de fetos anencéfalos. A expectativa é de que o STF aprove a ADPF, a exemplo das últimas importantes decisões favoráveis em relação à pesquisa com células-tronco e à união civil entre pessoas do mesmo sexo.