Para que a democracia se desenvolva plenamente
A deputada federal Luiza Erundina (PSB/SP), coordenadora na Câmara da Frente Parlamentar Mista em Defesa de uma Reforma Política com Participação Popular vê o debate da reforma política como militância em seu mandato. A deputada acredita que uma ampla reforma precisaria propor mudanças, não só de regras eleitorais e de normas partidárias, mas teria que repensar o sistema político como um todo.
Jornal Fêmea - A reforma política é uma das prioridades do seu mandato. A senhora pode nos explicar porque considera essa questão tão estratégica?
Luiza Erundina - O atual sistema político do país não responde mais à realidade brasileira dos dias de hoje. Apresenta graves distorções que precisam ser eliminadas por meio de uma reforma política ampla e profunda, capaz de corrigir as imperfeições dos sistemas eleitoral e partidário e contribuir para mudar nossa cultura política. Tudo isso, tendo em vista o aperfeiçoamento e fortalecimento da democracia.
A Constituição Federal já tem mais de 20 anos de vigência e nesse tempo ocorreu verdadeira revolução tecnológica que causou forte impacto na realidade brasileira, nos aspectos econômico, social, cultural e político. Além disso, grande parte dos dispositivos constitucionais ainda não foram regulamentados. Daí a premente necessidade de uma reforma política e o caráter estratégico que ela tem - razão pela qual tenho dedicado grande parte dos meus mandatos a essa questão.
Jornal Fêmea - O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Saímos de ditaduras para democracias, de estagnação para crescimento econômico, mas as desigualdades persistem. Em sua opinião, o que o sistema político e, portanto, a reforma desse sistema tem a ver com isso?
Luiza Erundina - A mudança de regimes ditatoriais para democracias, no Brasil, não significou, na prática, a implantação de verdadeira democracia, visto que se limitou à democracia política, ou seja, o direito de votar e ser votado. Não existe, portanto, democracia econômica nem social. Persistem as desigualdades porque a maioria da população brasileira não tem acesso aos frutos do crescimento econômico. O atual sistema político, por sua vez, agrava ainda mais as desigualdades ao excluir a maioria da população brasileira das decisões políticas. Mulheres, negros e índios formamos a maior parte da sociedade, no entanto, somos sub-representados nos espaços institucionais de poder. A reforma política precisa, portanto, incluir esses segmentos na vida democrática do país, alargando a democracia representativa e viabilizando o exercício da democracia direta e participativa, com a criação de mecanismos adequados para isso. Só assim, teremos verdadeira democracia.
Jornal Fêmea - A Frente Parlamentar Mista em Defesa de uma Reforma Política com Participação Popular é uma inovação no Congresso. Que aspectos a senhora destacaria a esse respeito? Com que mecanismos a Frente planeja propiciar o aprofundamento e a ampliação do debate?
Luiza Erundina - A Frente Parlamentar Mista pela Reforma Política com Participação Popular é um instrumento que possibilita o envolvimento da sociedade civil organizada no debate sobre a reforma política, podendo, inclusive, apresentar propostas à Comissão Especial da Reforma Política, através dos deputados e deputadas que compõem a Frente.
O debate tem se dado no âmbito da Frente e em audiências públicas que se realizam nas Assembleias Legislativas dos estados e/ou nas Câmaras Municipais de capitais por iniciativa da Comissão Especial e da Frente Parlamentar. Essas audiências têm suscitado, ainda, a criação de frentes estaduais, ampliando, assim, as discussões com a sociedade.
Jornal Fêmea - Quais propostas a deputada defende para uma reforma política ampla no Brasil?
Luiza Erundina - Uma ampla reforma política precisaria propor mudanças, não só de regras eleitorais e de normas partidárias, mas teria que repensar o sistema político como um todo e ter como objetivo o aperfeiçoamento e o fortalecimento da democracia em nosso país.
Quanto ao sistema eleitoral, a proposta é: votação em lista partidária pré-ordenada, com alternância de gênero; financiamento público de campanha exclusivo; fim das coligações em eleições proporcionais e criação de federações de partidos, com duração de pelo menos três anos. No que se refere ao sistema partidário, dever-se-á exigir de cada partido clara definição de compromissos ideológicos, programáticos e políticos, ou seja, ter identidade que o distinga das outras agremiações e que seja referência para se exigir fidelidade de seus membros.
Ademais, uma reforma política que contribua, de fato, para o aperfeiçoamento e o fortalecimento da democracia precisa viabilizar o pleno exercício da democracia em suas duas dimensões: democracia representativa e democracia direta e participativa que se complementam, garantindo, assim, o respeito à soberania popular. Assim sendo, é necessário que seja regulamentado o artigo 14 da Constituição Federal de 1988 para que os mecanismos de democracia direta possam ser aplicados: plebiscito, referendo e projeto de lei de iniciativa popular. Além destes, defendo a criação do “recall”, ou seja, a possibilidade de revogação de mandato pelos eleitores.
Entendo, também, que a reforma política é um processo que vai se construindo ao longo do tempo e que levará a mudança da cultura política que sustenta o atual sistema.
Jornal Fêmea - O debate sobre a reforma política extrapolou os limites dos partidos políticos e do Congresso Nacional. A mobilização dos movimentos de mulheres sobre essa questão não deixa margem de dúvida a esse respeito. A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e, inclusive, a Lei da Ficha Limpa são provas disso. Mas a reforma da última vez não aconteceu. A deputada acredita que o Congresso, dessa vez, realizará esta reforma ampla e profunda que está sendo demandada?
Luiza Erundina - Diferentemente das outras tentativas de reforma política no âmbito do Congresso Nacional, ao longo de mais de dez anos, e que não lograram êxito, desta vez, o método adotado pela Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, levará, a meu ver, a melhor resultado.
A Comissão vem realizando audiências públicas em todos os estados da federação, atendendo demandas dos deputados que integram a Comissão e, dessa forma, amplia o debate e estimula a participação da sociedade na construção de uma proposta a ser apresentada ao Congresso para apreciação e votação.
Não será, certamente, a reforma necessária, mas dará início à implantação de medidas pontuais que, cumulativamente, poderão levar à mudança estrutural do sistema político brasileiro. Contudo, vai depender de forte mobilização social e de pressão externa sobre os parlamentares que, em sua maioria, ainda resistem à reforma política.