Brasília está completando 50 anos. E há apenas 20 anos as pessoas que vivem aqui podem exercer o direito democrático elementar de eleger suas/seus representantes e governantes, porque faz só duas décadas que o Distrito Federal conquistou a autonomia política. Do ponto de vista da cidadania, Brasília é muito jovem.
De esperançosa e viçosa, já tão nova, a cidade, as cidadãs e cidadãos que nela vivemos, nesses últimos tempos, nos sentimos
traíd@s, envergonhad@s. Há pouco mais de 20 anos, quando nós, mulheres e homens, lutávamos por liberdades democráticas e pela autonomia política para o Distrito Federal, não podíamos supor que depois iria crescer tanto a corrupção e todas as outras formas patrimonialistas e, portanto, patriarcais de exercício do poder: o nepotismo, o clientelismo, o elitismo, o machismo, o racismo, enfim, os elementos mais velhos e perniciosos da cultura política brasileira sobreviveram e se enraizaram na nossa Capital.
E havia sinais de que poderíamos fazer diferente. Muitas mulheres participaram da construção da cidade, vieram para o Planalto Central batalhar, dia-a-dia, no ritmo alucinante em que trabalhadoras e trabalhadores ergueram Brasília. Mas não se espante, se você der de cara com os outdoors“mostrando” que somente os homens foram importantes nessa cidade. É mentira. Da construção da cidade, passando pela luta contra a ditadura militar, que se instalou poucos anos após a inauguração; e depois logo no início do processo de redemocratização, as mulheres sempre estiveram presentes e participaram ativamente. Já em 1986, foi criado o Fórum de Mulheres do DF, reunindo militantes que atuavam em diversas organizações (grupos feministas, associações comunitárias, sindicais, partidárias). Nos anos 90, o Distrito Federal já tinha conquistado a sua autonomia política. E foi aqui que, pela primeira vez, uma mulher assumiu a presidência de uma assembléia legislativa (que aqui se chama Câmara Distrital). Na luta sindical, as trabalhadoras também foram protagonistas. Ainda hoje a CUT-DF tem uma mulher na presidência, Rejane Pitanga.
Mas o patrimonialismo é violento, criminoso. Rouba os recursos públicos e mata o poder da cidadania. Ficam donos do dinheiro, donos das pessoas e dos seus votos. E por isso, apesar de toda a trajetória de luta democrática e de participação das mulheres, de lá para cá, foram eleitos três homens como governadores do Distrito Federal: Roriz, que depois de exercer três vezes o mandato de governador elegeu-se para o Senado e renunciou ao mandato para escapar de um processo de cassação; Arruda, que fez o caminho inverso: foi primeiro senador, renunciou ao mandato evitando a cassação, depois elegeu-se governador e terminou seu mandato na prisão, onde está há mais de 40 dias (até o fechamento dessa edição); e Cristovam Buarque, atual senador da República do DF, uma exceção nesse contexto.
O lamaçal não fica por aí, no Palácio do Governo. É bem mais extenso, quase toma conta de toda a Câmara Distrital, chega às representações do DF no Congresso Nacional. Essa imagem é bem conhecida em muitas cidades brasileiras, acreditamos que podemos pular essa parte.
O feminismo é um dos importantes autores das denúncias contra o patrimonialismo. Além de violento e criminoso, o patrimonialismo (essa forma como o patriarcado usurpa não só os recursos públicos, mas a também o poder da cidadania, em benefício privado) tem raízes profundas na nossa história, capazes de rapidamente tomar conta e dominar até espaços inovadores, como o de Brasília. O movimento de mulheres no Distrito Federal também sabe disso. E mais, que só com muita luta e mobilização é possível enfrentar tamanho problema. Por isso, as várias organizações de mulheres do DF se articularam em um movimento de mulheres contra corrupção.
Em abril, Brasília completa 50 anos. Nós, cidadãs e cidadãos da Capital da República estamos de cabeça erguida outra vez. Porque nem a conivência da grande maioria d@s deputad@s da Câmara Distrital, nem a omissão vergonhosa da imprensa local frente à corrupção, nem tampouco a ação violenta da polícia conseguiram conter a nossa candanga indignação.
O CFEMEA, é fruto do cerrado, nasceu aqui há 20 anos atrás, nesse clima que alterna secas e chuvas, e que de vez em quando produz redemoinhos impressionantes, tanto estrito senso, como também no sentido político. Da indignação popular, da mobilização social, encontramos espaço para reinventar a esperança na luta. E assim também vamos tentando reinventar a democracia, para que toda e cada uma das pessoas exerça o seu poder cidadão, para que todas e todos tenham direitos.