O trabalho doméstico é abertamente estigmatizado no Brasil, por ser uma profissão exercida primordialmente por mulheres, negr@s e pessoas de baixa escolaridade/renda. Em pleno século XXI, as trabalhadoras que compõem a categoria profissional feminina mais numerosa do país ainda não desfrutam plenamente de direitos. Os avanços trabalhistas foram conquistados em legislação variada, não em leis com foco exclusivo na ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas. Outra dimensão do trabalho doméstico é aquele exercido pelas mulheres em suas próprias casas, sem remuneração, de cuidado da família com a alimentação e saúde. Tanto as trabalhadoras domésticas remuneradas quanto as sem remuneração (donas de casa) sofrem com a não valorização dessa atividade, a invisibilidade do trabalho e o não reconhecimento de direitos. Por isso, precisamos de uma militância em defesa da ampliação de direitos, bem como o reconhecimento do trabalho doméstico como um trabalho contributivo para toda a organização social da vida cotidiana, tanto na esfera privada quanto pública.
Os movimentos de mulheres e feministas atuam nesse sentido, buscando condições de igualdade e mecanismos institucionais que diminuam a desigualdade social e a escravidão nas relações de trabalho. O CFEMEA tem se empenhado nesta tarefa em conjunto com trabalhadoras domésticas há duas décadas. Atuamos na influência e efetivação de políticas públicas e normas legais, além de tentar evitar retrocesso aos direitos já garantidos. A publicação “Trabalhadoras domésticas em luta: Direitos, igualdade e reconhecimento”1 traz um histórico desta relação, que será apresentado de forma resumida aqui.
Podemos situar o engajamento nas mobilizações pela Constituinte como marco inicial do advocacy feminista pelo trabalho doméstico. Demandando a inserção nos espaços de poder, feministas e trabalhadoras domésticas conquistaram o reconhecimento da categoria, além de conseguir transformar as associações em sindicatos. Apesar dos avanços, muitos direitos ficaram de fora: a jornada de trabalho; as horas extras e o adicional noturno; o seguro-desemprego e seguro acidente de trabalho; e a obrigatoriedade do FGTS. Uma proposição emblemática daquela época foi o PL 1626/1989, de Benedita da Silva que, apesar de continuar paralisada na Câmara de Deputados até hoje, buscou lidar com essas lacunas.
Nos últimos dez anos, houve muita mobilização do CFEMEA e do movimento feminista em conjunto com a categoria das trabalhadoras domésticas. Vale destacar: a ação para ressuscitar o PL 2616/89 em 2001; os debates sobre reconhecimento do trabalho das donas de casa motivados pela PEC 385/2001 (sobre benefício assistencial às donas de casa); a incidência na tramitação da Reforma da Previdência d@s trabalhador@s do serviço público proposta pelo presidente Lula em 2003 (o movimento feminista pretendia incluir as trabalhadoras do mercado informal de trabalho no Regime Geral de Previdência Social); a articulação com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres para tentar instalar a Comissão Especial para discussão da PEC 385/2001 para inclusão previdenciária das donas de casa ainda naquele ano.
Em 2005 destaca-se a mobilização e o acompanhamento da tramitação e aprovação da Emenda Constitucional 47/20052. As ações de advocacy foram importantes para a criação da Comissão Especial de Trabalho e Emprego Doméstico; a participação em audiências públicas e do seminário Por um Brasil sem Desigualdades. Merece destaque também a ação crítica ao conteúdo original da MP 284/06, que favorecia apenas os patrões. As reivindicações foram apresentadas ao Congresso Nacional, que durante sua tramitação, ampliou outros direitos como: estabilidade da gestante e férias de 30 dias - Lei 11.324/06.
Em 2007 foi criado o Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social (FIPSS), inicialmente para contrapor as discussões do Fórum Nacional da Previdência Social e posteriormente tornou-se autônomo. O FIPSS representa uma aliança entre movimentos de trabalhadoras do campo e da cidade, na busca por direitos que garantam a proteção social dessas trabalhadoras, problematizando a informalidade entre as mulheres, a população negra e a ausência de direitos, pleiteando regras mais inclusivas na Previdência social (ver o Documento de Conclusões e Propostas do FIPSS no site do CFEMEA).
Atualmente, o CFEMEA, a FENATRAD, o SOS Corpo, o próprio FIPSS e a Articulação Feminista Marcosul (AFM)3, atuam em conjunto na proposta de equiparação de direitos para as trabalhadoras domésticas com as demais categorias profissionais. Enquanto não houver mudanças na Constituição, seguimos com nosso advocacy na esperança de sermos testemunhas e parte ativa na ampliação de direitos e no reconhecimento das trabalhadoras domésticas.