Já se passaram 20 anos. Nesse período, o Brasil teve quatro presidentes, cinco moedas, a inflação anual que superava 2.000% passou para menos de 5%. As mulheres conquistaram uma lei que previne, combate e pune a violência doméstica, o direito ao planejamento familiar como livre decisão, a cota mínima de 30% por sexo nas candidaturas para as eleições proporcionais.
Alguns desafios foram superados no campo legal; novos aparecerem e ainda requerem muito trabalho dos movimentos de mulheres e feministas. Para isso, o CFEMEA nasceu, se consolidou e continuará o trabalho nos próximos anos.
Esta edição do Fêmea traz a primeira de uma série de matérias que irão resgatar a memória da organização. A seguir, a análise de Guacira César de Oliveira, sócia-fundadora e atual diretora, sobre a época da criação, a consolidação e os desafios para os próximos anos.
Um pé no presente e outro no futuro
A história do CFEMEA começa em 1989, em Brasília. Éramos um grupo de seis militantes feministas, que havíamos nos encontrado há poucos anos, na equipe técnica do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, de onde saímos em 1988 num ato de demissão coletiva de todas as conselheiras e do corpo técnico por discordarmos da linha política que o então ministro da Justiça, Oscar Correa, queria impor ao CNDM.
A construção democrática, apenas em seu começo, mobilizava grupos de mulheres do Oiapoque ao Chuí, que acreditavam e lutavam para transformar as conquistas históricas da Constituinte em realidade na vida cotidiana de cada mulher. Nessa atmosfera, decidimos nos organizar.
A luta pela regulamentação dos direitos das mulheres consagrados na Constituição nos colocava frente a vários e grandes desafios. A articulação política com as organizações de mulheres, a formulação de proposições legais a partir da perspectiva feminista, a assessoria à Bancada Feminina, a argumentação para a defesa dos direitos das mulheres no Congresso Nacional, inclusive nos embates com os parlamentares, eram nossas estratégias para garantir direitos.
Esse esforço mobilizou outras feministas, que faziam parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UnB, que integravam o Fórum de Mulheres do DF e que faziam parte de grupos em outros estados brasileiros. E foi com muito debate político, muita militância, que em 1992, conseguimos ter algum recurso da cooperação internacional para montar o embrião de um escritório.
De todo o trabalho inicial, consolidaram-se os princípios e a forma de atuação do CFEMEA. Somos uma pequena organização que se concebe como parte de um forte movimento, não somente brasileiro, mas latino-americano; que pensa e atua politicamente para a defesa e radicalização da democracia; para a superação das desigualdades e discriminações de gênero e raça/etnia; pela afirmação da liberdade, autonomia, solidariedade e diversidade.
São desse período as leis sobre a investigação de paternidade (1992), o Planejamento Familiar (1996), cotas por sexo para as candidaturas (1995), licença maternidade para as seguradas especiais (de 1994, para as trabalhadoras da agricultura familiar e outras), a união estável (1994, regulando os direitos dos companheiros a alimentos e sucessão), proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização (1995), ações afirmativas para o acesso da mulher ao mercado de trabalho (1999); entre várias outras.
Na metade do caminho, aos 10 anos, começamos a constatar que a nossa luta por direitos tinha de estar associada ao trabalho sobre as políticas públicas, e sobre o orçamento público em particular, sob pena de o direito virar letra morta na lei. Para o pleno exercício da cidadania pelas mulheres, tais direitos têm de estar traduzidos em políticas públicas (econômicas e sociais) redistributivas e universalistas, bem como nas de reparação e de ação afirmativa.
Até 2000, tínhamos apenas quatro programas governamentais dirigidos às mulheres. Não tínhamos um organismo governamental no primeiro escalão para a defesa de direitos e promoção de políticas públicas para a igualdade.
Foi no PPA 2004-2007 que pela primeira vez o enfrentamento das desigualdades de gênero e raça foram incluídas entre os grandes desafios nacionais. Trata-se de uma conquista que se desdobra em mais programas e ações e na ampliação dos recursos públicos alocados com este objetivo.
Passados 19 anos, às vésperas do vigésimo aniversário do CFEMEA, a incorporação das perspectivas de gênero e raça, bem como a construção de novos parâmetros que orientem as políticas e os recursos públicos a promoção da igualdade são os grandes desafios colocados hoje para a organização.
Assim como ao longo do caminho já percorrido, novos temas irão aparecer e exigir de nós criatividade, amadurecimento na mobilização. As projeções indicam, por exemplo, um aumento importante de pessoas da terceira idade na população. As mulheres serão a maioria desse grupo e demandarão novos olhares para a saúde, o trabalho, a previdência, o combate à violência. O CFEMEA estará aqui para contribuir na elaboração de respostas para os novos problemas, sempre pautado na luta por relações de gênero eqüitativas e fraternas, por uma sociedade justa e um Estado democrático.