Quase lá: A realidade que o Estado não enfrenta

Nos últimos cinco anos, nada menos que 1,2 milhão de mulheres foram internadas nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) por complicações decorrentes de abortos clandestinos. Só em 2006, conforme apontam dados do DataSUS, foram 230.523 registros, o que corresponde a 631 internações diárias para realização de curetagens (veja tabela). Hoje, essas já são o segundo procedimento obstétrico mais realizados nas unidades de saúde, atrás apenas dos partos normais. Os números comprovam que a criminalização do aborto não impede que muitas brasileiras recorram a essa prática.

"É com base nessa realidade que @s representantes públicos devem guiar suas práticas, seja no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, além do Ministério Público", destaca Kauara Rodrigues, do CFEMEA. Hoje, o aborto é a quarta causa de morte materna no país e representa 9,5% das mortes relacionadas diretamente à gravidez.

Outra questão importante é que as mulheres engravidam cada vez mais cedo e o aborto passa a ser uma preocupação na adolescência. Em 2005, foram registrados 2.781 atendimentos de meninas de 10 a 14 anos para tratamento pós-aborto. Na faixa etária seguinte, de 15 a 19 anos, houve um aumento significativo e o índice subiu para 46.504.

Levantamento divulgado no Relatório de Gestão do Ministério da Saúde estima que 20% dos abortos clandestinos realizados por médico em clínicas e um número ainda maior dos abortos domiciliares realizados pela própria mulher ou alguém de sua convivência apresentam complicações. As principais são perfuração do útero, infecção e hemorragia. Essas complicações podem levar à morte se não tratadas precoce e corretamente.

O que se pensa sobre o tema

Algumas entidades e lideranças sociais já se pronunciaram a respeito da legalização do aborto. Veja algumas delas:

"A descriminalização do aborto é peça fundamental na construção de uma política pública mais ampla de planejamento familiar. Com o fim da criminalização, o sistema de saúde poderá construir um diálogo franco com mulheres que hoje são lançadas à clandestinidade e às quais não é oferecida nenhuma alternativa, senão a realização do aborto".
Oscar Vilhena, diretor jurídico da Conectas Direitos Humanos

"Para o Brasil, legalizar o aborto significa ter menos mulheres morrendo anualmente. É também respeitar a autonomia reprodutiva, dando informação, assistência e condições materiais para o pleno exercício dessa autonomia".
Elizabeth Saar, assessora da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres para o tema dos direitos sexuais e reprodutivos

"O aborto é no Brasil a quarta causa de mortalidade materna e enfrentar essa situação epidemiológica grave é dever do Estado. Historicamente, as mulheres pagam um preço muito alto. Precisamos garantir a elas todos os direitos possíveis. Não devemos obrigar ninguém a fazer aborto, mas também não devemos punir".
Adson França, diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPE) do Ministério da Saúde


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