Quase lá: Editorial

Esta edição especial tem como centro dos debates as Reformas Previdenciária e Política. Dois temas fundamentais para se pensar como as Reformas de Estados estão promovendo ou não a inclusão de grupos sociais historicamente deixados para segundo plano como as mulheres, afrodescendentes, jovens e idos@s; se estão enfrentando os padrões de desigualdade de uma sociedade marcada pela distribuição desigual de renda. Ou ainda, para se pensar se essas propostas de fato promovem mudanças nas relações de poder de um Estado ainda com fortes traços paternalistas e patrimonialistas, traços presentes nas atuais denúncias de corrupção, como nos mostra a cientista política Cristina Buarque em seu inquietante texto nas páginas 10 e 11.

Desde 2003, vários grupos e articulações feministas concordaram em debater e monitorar as Reformas de Estado que têm sido propostas pelos últimos governantes e que desde o Governo Lula se firmaram como uma das ações prioritárias do governo - que em apenas três anos concluiu, sem muitas novidades, a Reforma Tributária, grande parte da Reforma Previdenciária (restando algumas regulamentações e a regulamentação da Emenda Constitucional 47/05, antiga PEC Paralela da Previdência), além de iniciar a Reforma Sindical e de já estar debatendo proposta de Reforma Trabalhista, pelo menos no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho.

Estas propostas de Reformas são um dos componentes dos acordos que governos de países pobres ou em desenvolvimento de distintas partes do mundo estão fazendo com Instituições Financeiras Multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Elas também são um item importante das negociações na Organização Mundial do Comércio. Isto porque a redução das atribuições estatais no provimento dos serviços públicos implica a abertura de mercado para as empresas transnacionais. Um exemplo neste sentido foi a aprovação recente da Parceria Público Privado, pelo Congresso Nacional, apesar das duras críticas e desacordos entre @s parlamentares e a sociedade civil organizada. As reformas Trabalhista e da Previdência vêm seguindo este mesmo viés em diversos países do mundo, ou seja, flexibilizam os direitos d@s trabalhador@s para favorecer o livre-mercado .

A diminuição cada vez mais forte das responsabilidades do Estado para com seus/as cidadãos/ãs têm acarretado no aumento das distâncias entre pobreza e riqueza, principalmente no que diz respeito às garantias universais de acesso a serviços públicos e de qualidade como educação, saúde, saneamento e infra-estrutura urbana e rural, previstos em nossa Constituição.

Sabemos também que estas decisões atingem de forma diferenciada mulheres e homens, negr@s e branc@s. Normalmente, são as mulheres as que fazem a ponte entre o acesso a estes serviços e o bem-estar das famílias, sendo também responsabilizadas quase que unicamente pelo cuidado d@s integrantes de seu núcleo familiar.

Diante da diminuição das responsabilidades estatais, os governos dificilmente assumem sua parte com o "cuidado" de sua população, via fornecimento de equipamentos sociais como creches, escolas em tempo integral, já que "contam" com as mulheres para fazerem este trabalho de graça ou de forma muito mal remunerada.

Nesse contexto, as discussões sobre a inclusão previdenciária das mulheres, principalmente pelo reconhecimento das atividades de "cuidado", além das atividades domésticas é fundamental.

Reforma da Previdência

Em 2005, continuamos acompanhando a discussão desta Reforma. O grande desafio, fortemente monitorado por milhares de brasileiras que lutam pelo seu direito à aposentadoria, foi garantir a aprovação da PEC Paralela, aprovada em julho e transformada na Emenda Constitucional 47/05.

Destacamos duas questões nas quais concentramos esforços nessa Reforma: o reconhecimento legal do trabalho doméstico não remunerado, exercido majoritariamente por mulheres; e a garantia de alíquotas reduzidas de contribuição para as pessoas que exercem esse tipo de trabalho, bem como para @s trabalhador@s urban@s (principalmente quem está no trabalho informal), via a criação de um sistema especial de inclusão social.

Apesar dos esforços empreendidos, a emenda ainda não contemplou as demandas das mulheres. O trabalho de "cuidado" continua não sendo reconhecido como um trabalho digno, nem como necessário ao desenvolvimento humano da sociedade, e muito menos como gerador de direitos previdenciários à tod@s aquel@s que o realizam.

A mobilização de milhares de brasileiras pela sua aprovação está descrita pela deputada federal Luci Choinacki (p. 6 e 7) que nos mostra por um lado a importância redistributiva de tal benefício para as mulheres pobres brasileiras que se dedicam às atividades domésticas.

Por outro lado, não podemos deixar de ressaltar a importância de propormos medidas transformadoras de hábitos e crenças culturais que tendem a "naturalizar" a atividade doméstica e de cuidado como uma atividade intrínseca do ser mulher. Algumas críticas têm sido feitas com relação ao benefício conhecido como "aposentadoria das donas de casa" como se a proposta viesse a cristalizar este papel doméstico como responsabilidade feminina.

Neste sentido, acreditamos que temos de atuar em duas frentes. Em primeiro lugar, temos defendido a ampliação do benefício previdenciário para todas as pessoas - sejam mulheres ou homens -, que se dedicam a estas atividades, independentemente de serem ou não pertencentes a famílias de baixa renda; em segundo lugar, temos insistido na bandeira histórica do movimento de mulheres, que é por desonerar as mulheres da sobrecarga dos trabalhos domésticos e de cuidado, o que implica que tanto o Estado, quanto a sociedade, e as próprias famílias têm responsabilidades assumir. Há que se questionar o "destino" quase que imutável das brasileiras como responsáveis exclusivas pela esfera doméstica.

No mesmo sentido, pensar um processo de Reforma Trabalhista ou de redução de jornada de trabalho sem trazer à tona a necessidade de maior conciliação entre a vida familiar e produtiva, de divisão igualitária entre mulheres e homens destas atividades significa cristalizar as múltiplas jornadas de trabalho das mulheres que, dessa forma, sempre estarão em desvantagem no mundo do trabalho produtivo.

Ainda como desafio nos cabe o acompanhamento da regulamentação da Reforma da Previdência (EC 29/05) para pensarmos critérios de acesso ao benefício, faixa de renda, além de toda a parte sobre a inclusão previdenciária d@s trabalhador@s urbanos informais.


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