Quase lá: Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe: Negros tempos para o Feminismo

Nilza Iraci
Coordenadora executiva do Geledés - Instituto da Mulher Negra e da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras

Os encontros feministas brasileiros e latino-americanos têm sido, na última década, espaços privilegiados de reflexão, intercâmbio e de formulação das estratégias do Movimento Feminista. As mulheres negras sempre estiveram presentes nesses espaços, mas em geral reunidas entre si, e as relações estabelecidas com o conjunto das mulheres sempre estiveram tensionadas, pois as negras denunciavam a identidade genérica e o caráter homogeinizador e excludente do feminismo, que sobre o manto da opressão de gênero igualava todas as mulheres.

O IX Encontro Nacional Feminista Brasileiro, que aconteceu em 1987, em Garanhuns - PE, representou um ponto de inflexão nesse processo, uma vez que as mulheres negras participantes decidiram que já era o momento de realizarem um encontro nacional próprio.

Considerado um dos mais importantes momentos do movimento contemporâneo de mulheres negras, o I Encontro Nacional de Mulheres Negras foi realizado de 02 a 04 de dezembro de 1988, em Valença-RJ. O Encontro contou com a participação de 450 mulheres negras de 17 Estados do país e foi precedido de encontros estaduais.

Apesar da anterioridade do movimento de mulheres negras, o I Encontro traz para a cena política um olhar crítico aos temas fundamentais da agenda feminista à luz do efeito do racismo e da discriminação racial, e dá impulso ao movimento de mulheres negras contemporâneo, que nasce da urgência e da necessidade de cruzar as fronteiras do próprio feminismo, articulando a questão racial com gênero, classe e sexualidade enquanto categorías políticas.

A explicitação das contradições contribuiu para a emergência das organizações autônomas de mulheres negras. Cresce, no último par de décadas, um número considerável de organizações feministas negras que vêm protagonizando a luta contra o racismo e o sexismo, denunciando a discriminação que sofrem as mulheres negras, visibilizando e ampliando a discussão em setores estratégicos da sociedade, como protagonistas de suas próprias lutas, com cara, voz e expressões próprias.

Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres negras, permanece até hoje, no interior dos Encontros Feministas, em maior ou menor grau, a inclusão da questão racial como um tema periférico das discussões. Esse tema tem sido tratado sob a ótica da mulher negra, como se racismo fosse um problema afeito apenas a esse segmento da população.

O grande desafio para o 10o Encontro Feminista Latino-americano e Caribenho era o de romper a lógica dos encontros anteriores e incorporar a multiplicidade e diversidade de movimentos de mulheres que atuam no contexto político da América Latina e Caribe.

Nesse sentido, a Comissão Organizadora do 10o Encontro vem trabalhando com a visão de que a possibilidade de transformação é criada a partir dos sujeitos políticos. São eles que geram novas utopias, estabelecem novos paradigmas, afirmam novos valores, geram as propostas capazes de produzir mudanças estruturais na sociedade.

E essa visão se materializa quando a programação do encontro traz, para o centro dos debates, temas pouco aprofundados pelo feminismo. A inclusão, nos diálogos complexos do tema: Feminismo e estratégias para o enfrentamento do racismo em uma América Latina democrática, representa uma mudança de paradigma para as mulheres negras e brancas que apostam nos processos coletivos para a transformação social.

A história das mulheres negras é, ao fim, a história da construção da democracia no Continente, pois uma Nação democrática implica em dar lugar a várias vozes e olhares muitas vezes silenciados e encobertos por mecanismos de discriminação e, conseqüentemente, de exclusão.

O grande desafio colocado para cada uma de nós feministas brancas, negras, índias, é não apenas colocar as questões sobre a mesa mas, sobretudo, politizá-las e enfrentá-las. Implica, sobretudo, que sejamos capazes de subverter esses modelos que nos foram impostos e potencializar as diferenças e singularidades, e articular espaços criativos que desafiem os limites colocados para cada uma de nós em prol de uma verdadeira democracia feminista.

Se conseguirmos provocar tempos negros para o feminismo, já terá valido a pena o Encontro.


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