Quase lá: Entrevista com Cristina Buarque

Esta última edição de 2004 do jornal Fêmea traz para suas/seus leitor@s uma entrevista especial para fechar os debates deste ano sobre participação das mulheres na política. Nossas edições anteriores trouxeram análises e artigos sobre o tema guiados pelo mote das Eleições Municipais 2004. Para rever consulte os números anteriores de sua coleção ou acesse pelo site do CFEMEA, www.cfemea.org.br.

Nossa entrevistada é Cristina Buarque, cientista política, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e coordenadora do projeto Mulher e Democracia realizado pela Fundaj, Casa da Mulher do Nordeste e Centro das Mulheres do Cabo. A pesquisadora nos fala sobre o projeto, a relação entre a esfera política e os movimentos de mulheres e feministas, além da participação das mulheres na política.

Para conhecer mais sobre as organizações citadas acesse www.cmnmulheredemocracia.org.br e www.fundaj.gov.br.

CFEMEA - Cristina, quais são as propostas de trabalho do Projeto Mulher e Democracia para 2005?

O Projeto Mulher e Democracia tem um amplo plano de trabalho para o quadriênio 2005-2008, baseado nas experiências realizadas em 2004. De forma esquemática, as suas principais propostas são:

  1. Efetivar a Rede Mulher e Democracia, criando a secretaria da rede com as parceiras, criando uma referência no Nordeste de trabalho continuado para ampliação da representação política das mulheres;
  2. Consolidar a Escola Feminista de Formação Política para a Democracia, adotando um funcionamento que além da oferta de cursos para candidatas e eleitas, em sua sede e na sede das parceiras, deverá promover o fortalecimento de lideranças femininas nos bairros através de parcerias com as escolas da rede pública;
  3. Dinamizar o Centro de Informação Pesquisa e Comunicação, através da criação de mecanismos de acesso das parlamentares, executivas, candidatas e lideranças aos dados disponíveis;
  4. Implantar o Núcleo de Assessoria Parlamentar e Executiva, através de um programa de assessoria por bancada microrregional.

CFEMEA - Que balanço você faz do que foi realizado em 2004, quais foram/são as dificuldades encontradas e as perspectivas futuras do projeto?

Em termos de balanço do ano de 2004, podemos afirmar que o maior resultado obtido pelo Projeto tem sido a imensa receptividade com que vem contando para realizar todas as suas ações: cursos, vídeos, publicações; ações nas câmaras municipais; exposições, seminários, bazar para arrecadar fundos.

Receptividade essa, que se expressa pelo apoio que recebeu de parlamentares, candidatas, intelectuais, de movimento sociais, como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste e do Movimento Negro Unificado, em Salvador/Bahia, de organizações não-governamentais e governamentais, a exemplo da Secretaria Nacional de Políticas para a Mulher, da Coordenadoria da Mulher da Prefeitura do Recife, da Prefeitura de Olinda, da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco e de agências de cooperação, como Action Aid, a CESE, inclusive da empresa privada como o STUDIO Dois, em Pernambuco.

Assim, o nosso balanço é que existe uma lacuna nesse espaço, uma demanda reprimida por apoio à representação feminina e que a experiência do Projeto esclarece a dimensão dessa ausência e pode contribuir para a sua superação.

CFEMEA - Existem planos de trabalho com as mulheres eleitas? Quais são eles?

Em termos de ações voltadas para as eleitas, o Projeto deverá, em 2005, realizar através das organizações parceiras, em todo o Nordeste, 9 cursos estaduais e 2 regionais sobre Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Gestão Democrática.

A base desses cursos será o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, lançado no último dia 8 de dezembro, pela Secretária Nacional de Políticas para as Mulheres. Teremos, também, ações de assessoria às parlamentares, e de fortalecimento de sua ação, mediante a criação de bancadas microrregionais no interior dos Estados, para definição de plataformas coletivas.

CFEMEA - E as candidatas que não foram eleitas, quais são as perspectivas para que se mantenham na busca de presença feminina nos espaços de decisão pública?

Para as candidatas que não se elegeram manteremos o contato através do envio do nosso jornal e eletrônico, de nosso boletim semestral e publicações, além de convites para participar do fórum "Mulher e Democracia", que se reúne duas vezes por ano e cujo tema em 2005 será a Reforma Política.

CFEMEA - Qual é a importância de estreitar a relação dos movimentos de mulheres com as candidatas (e) eleitas?

No início de 2004, a Casa da Mulher do Nordeste, a Fundação Joaquim Nabuco e o Centro das Mulheres do Cabo deram partida a um processo de discussão sobre as lutas e as experiências que o movimento de mulheres no Brasil vem realizando, nos últimos 70 anos, em favor da democracia.

As análises construídas identificaram primeiro que, não obstante a importância dos esforços realizados, as estratégias e ações de estímulo e de fortalecimento à presença das mulheres nos poderes da República, eram tímidas, se davam pontualmente, de forma esporádica e sem que fosse garantida a continuidade das mesmas, fator indispensável aos processos de transformação das relações de gênero.

Segundo, observamos que o movimento de mulheres, sob forte impacto das propostas feministas de desconstrução das relações patriarcais, avançava nas suas formas de organização, fazendo crescer a presença das mulheres e a influência das propostas de eqüidade de gênero no campo da participação sociopolítica.

Por fim, que havia uma defasagem entre poder-político e trabalho-político das mulheres - revelada, também, pela condição de sub-representação política versus a prática de super-atuação das mulheres - a ser corrigida para que avançássemos no projeto feminista de radicalizar a democracia.

A partir daí, apostamos que a organização construída pelas mulheres, nos últimos 25 anos, constituía a base para o desenvolvimento de um trabalho sistemático e específico de apoio à efetivação do direito feminino à representação política. Lançamos, então, o Projeto Mulher e Democracia: 70 anos de luta pela representação política, com o objetivo de mobilizarmos a articulação, a formação, a construção de conhecimentos, a divulgação de informações e o resgate histórico da presença das mulheres na política.

CFEMEA - Que iniciativas podem estimular uma maior participação das mulheres nas esferas públicas de poder?

Veja, durante a ditadura, nós feministas, nós da esquerda, nós democratas, lutamos pelo direito à organização, à pluralidade partidária e por eleições livres e diretas. Penso que avançar em todas essas lutas continua sendo fundamental para radicalizarmos a democracia, ao contrário da tendência observada, na última década, que foi a de congelar os esforços nesse sentido.

Assim, existe uma iniciativa de base a ser implementada para que as mulheres ampliem a sua participação nas esferas públicas de poder que é a valorização do espaço da representação como um espaço democrático que necessita ser revitalizado. E essa valorização se dá através da combinação da crítica feminista aos procedimentos viciados e nefastos que aí acontecem, com o estímulo a ações organizadas de exigência da abertura desses espaços às mulheres.

Um instrumento para isso seriam foros de discussão sistemáticos, nos níveis municipal, estadual e federal, voltados para a representação e as questões feministas, aproximando parlamentares e organizações da sociedade civil numa perspectiva supra-partidária. Nesse contexto, pensamos que revisitar a discussão sobre a luta sufragista do começo do século XX é um elemento central, pois temos algumas pendências na compreensão daquele momento, relacionadas às dividas que as feministas às vezes pensam que têm com as questões de classe.


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