Taciana Gouveia
Educadora do SOSCORPO e Diretora de Desenvolvimento Institucional da ABONG
Em 2001, um conjunto de redes e organizações da sociedade civil brasileira começou a construir processos de alianças e parcerias para superar o isolamento que historicamente tem marcado as ações dos movimentos sociais e a segmentação das políticas públicas no que se refere à imensa e injusta desigualdade racial no Brasil. Assim, surgiram os Diálogos contra o Racismo, demonstrando que não podem haver sujeitos políticos comprometidos/as com a transformação radical da sociedade sem que suas pautas e ações tenham a igualdade racial como princípio constituinte e inegociável.
Naquele momento, a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância (Durban- 2001) foi o eixo a partir do qual organizamos nossos debates e estes foram tomando a forma de um verdadeiro diálogo democrático, o que significa encarar tensões, conflitos, dissensos, contradições, elaborar outros argumentos, colocar-se em outras posições.
Impossível ser de outro modo, afinal foram tantos e tantos anos de poucas palavras ou de um silêncio absoluto por parte das pessoas, organizações, movimentos que não aqueles/as que têm como identidade ser movimento de negros/as. No máximo, prestava-se uma solidariedade, um apoio a uma causa que era tratada como do/a outro/a. Tínhamos a nossa "própria" luta, a nossa própria vida.
O racismo no Brasil em sua camuflada concretude só ganha contornos de uma questão política a partir do momento e do movimento em que os/as sujeitos que são por ele direta e cotidianamente atingidos/as, amplificam suas vozes de maneira que é impossível não serem escutados/as. Talvez a sociedade brasileira já seja capaz de ouvi-las, mas não ainda de entendê-las em seu sentido ético e político.
Dizemos isto porque é comum pessoas não negras afirmarem que não têm preconceito racial. Contudo, o dizer-se não racista não é solução para o seguinte problema ético: se imensa população negra brasileira é impedida do exercício de direitos básicos - inclusive da própria possibilidade de existir sendo o que é - é porque existe uma parcela, ainda que minoritária, com enormes privilégios gerados da negação desses direitos!
Podemos, os/as não negros/as, não termos nenhuma atitude racista durante toda a nossa vida, mas enquanto este sistema de injustiça e desigualdade for, como ainda é, estruturador da nossa sociedade, estaremos sendo seus/suas beneficiários/as. Não há como fugir ou olhar de lado: tal situação é totalmente contraditória com quem acredita e luta por uma sociedade de cidadania e democracia plenas!
Acontece que as contradições podem ser enfrentadas e superadas dos modos mais diversos: atitudes pessoais, ações coletivas no trabalho, na escola, no bairro, no partido político, no sindicato, na ONG, por meio de manifestações públicas, ações de movimentos sociais, políticas governamentais. Cabe tudo porque em tudo encontramos o racismo.
Deste modo, ao nos deslocarmos do lugar de quem apenas escuta para o lugar de quem fala e age, estaremos fazendo parte de um projeto ético e político anti-racista, abandonando os privilégios e conquistando direitos. Isto é fundamental para mudar a vida - não de um/a outro/a distante - mas de todos nós.
É este o sentido do IV Diálogo contra o Racismo, dias 17 e 18 de novembro de 2003, no Rio de Janeiro. Queremos que todas/os possam construir juntas/os uma outra história, que torne a nossa sociedade verdadeiramente livre do racismo. Mas se você não quiser esperar, um bom começo é acreditar e dizer já: eu luto pela igualdade racial!