Durante a última década, os sistemas previdenciários da maioria dos países da América Latina têm sido objeto de reformas, as quais estiveram estreitamente vinculadas às mudanças nas relações de trabalho e de gênero.
A partir dos anos 70, os sistemas de Seguridade Social começaram a mostrar sérios desequilíbrios, que se acentuaram com as crises, nos anos 80. Os sistemas mostraram-se deficitários, resultado da gestão ineficaz de seus fundos, do aumento do número de beneficiári@s em relação ao de contribuintes, e da expansão de gastos superior à receita.
Nos anos 90, se impôs a necessidade de reduzir os custos fiscais nos sistemas mais antigos e com populações mais envelhecidas.
A solução neoliberal foi a "privatização" dos dois principais e mais caros programas de Seguridade Social: as pensões por velhice, invalidez e morte; e os sistemas nacionais de saúde.
As reformas previdenciárias implementadas em oito países da América Latina implicaram na substituição dos sistemas públicos por sistemas de capitalização individual.
Entretanto, estas reformas não deram resposta às desigualdades de gênero, que os antigos sistemas previdenciários apresentavam. Além disso, acabaram por acentuá-las em muitos casos.
No estudo "Género en la reforma o reforma sin género", as feministas Haydeé Birgin e Laura Pautassi analisam as reformas realizadas em três países: Argentina, Bolívia e Colômbia.
Argentina
Um dos países "pioneiros" da América Latina - em termos de desenvolvimento econômico e de seu sistema de seguridade social, em menos de 10 anos transformou-se num modelo difícil de definir. O plano de conversibilidade da moeda em relação ao dólar transformou a reforma do sistema previdenciário num um elemento chave da nova orientação econômica.
Por meio da reforma previdenciária, que data de 1993, se criou um Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões. Posteriormente, foram estabelecidas normas complementares e, em dezembro de 2000, em virtude de um Decreto de Necessidade e Urgência do Executivo, modificaram-se aspectos substanciais do funcionamento do sistema.
Entendeu-se por "integrado" a coexistência em uma única estrutura jurídica de dois sistemas: o regime previdenciário público e um regime de administração privada. O novo sistema misto estaria sustentado em dois pilares: capitalização e repartição (a cargo do Estado).
Qual é o impacto dessa Reforma sobre as relações de gênero? Além das condições desfavoráveis existentes no mercado de trabalho, o sistema de capitalização, ao associar contribuição com benefício, prejudica mais as mulheres. Mecanismos discriminatórios como a diferença salarial, a intermitência na vida profissional e o trabalho reprodutivo (tarefas domésticas, educação d@s filh@s e cuidado d@s demais integrantes do grupo familiar) incidem, negativamente, e não lhes é permitido acumular os recursos financeiros suficientes para o sustento após a aposentadoria.
Bolívia
O regime previdenciário da Bolívia foi um dos últimos a ser reformado, através da Lei 1732, que entrou em vigência em 1997. Esta reforma se caracterizou pela suspensão do antigo sistema público. @s segurad@s - trabalhador@s assalariad@s em forma obrigatória, e autônom@s em forma optativa - tiveram de mudar-se para o novo sistema.
De maneira geral, compartilha os princípios dos regimes de capitalização, com algumas particularidades referentes à redução de custos fiscais e a responsabilidade do Estado.
A lei de pensões da Bolívia não faz referência alguma às mulheres. Não há diferença de idade entre homens e mulheres para ter acesso ao benefício. Além disso, se omite totalmente a perspectiva de gênero.
A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é de 43% (destas, 45% assalariadas e 55% não assalariadas). Sua baixa representação no atual sistema previdenciário indica que um número significativo de mulheres está fora dele. Se não houver medidas para a ampliação da cobertura previdenciária, uma quantidade expressiva de mulheres ficará excluída do sistema.
Colômbia
A reforma previdenciária entrou em vigência no ano de 1994. O sistema passou a ser integrado por um regime de repartição e um regime de capitalização individual. O primeiro é administrado pelo Estado, por meio do Instituto de Seguros Sociais. A gestão do segundo foi entregue a empresas privadas. Ambos os sistemas são excludentes.
O regime de capitalização individual garante uma pensão mínima por velhice para segurad@s com 62 anos de idade, se são homens, e 57 se são mulheres.
O modelo adotado na Colômbia tem a vantagem de que @s segurad@s atuais e futur@s podem escolher entre os dois regimes. Esta liberdade interrompe o monopólio da seguridade social e estimula sua concorrência.
As três reformas apresentam pontos em comum:
- a mudança do paradigma previdenciário: as modificações não foram simplesmente técnicas, mas também se alterou a lógica de funcionamento dos sistemas;
- as desigualdades de gênero aumentaram com o regime de capitalização, acentuando-se as que já existiam no regime de repartição;
- houve uma tentativa de ampliar a baixa cobertura nos três sistemas;
- transição do sistema antigo para o novo;
- necessidade de um número adequado de empresas privadas de Previdência para que o sistema funcione de forma eficaz;
- altos custos de administração: seu peso não se reduziu e continua sendo oneroso;
- acumulação de capital: o volume acumulado pelos fundos de pensão é enorme.